Em 2006, no seguimento da aprovação da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade, pelos 53 Estados-membros da região europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS), Portugal assumiu um compromisso político e uma proposta estratégica nacional única, sem precedentes, de vigilância, prevenção e combate à obesidade, principalmente a infantil, visando criar sinergias intersectoriais, a nível governamental e da sociedade civil. Paralelamente, foi um dos primeiros países, em 2007, a integrar e assumir o papel de liderança do sistema europeu OMS de vigilância de obesidade infantil, o “Childhood Obesity Surveillance Initiative-COSI”, que se mantêm até hoje.
Criava-se assim o primeiro sistema europeu de vigilância nutricional infantil, com objetivo de implementar uma rede sistemática de recolha, análise, interpretação e divulgação de informação descritiva sobre as características do estado nutricional infantil de crianças dos 6 aos 10 anos, traduzindo-se num estudo estandardizado e metodologicamente robusto, que produz dados comparáveis entre países da Europa e que permite a monitorização da obesidade infantil, a cada 3 anos.
Decorridas cinco rondas deste estudo (2008, 2010,2013, 2016 e 2019), que iniciou com 13 países e hoje conta com mais de 44, Portugal tem vindo a ser reconhecidamente exemplar pela forma como implementou este Sistema de Vigilância único no país, envolvendo as cinco Administrações Regionais de Saúde (Norte, Centro, LVT, Alentejo e Algarve), as duas Direções Regionais de Saúde da Madeira e Açores, mais de 200 profissionais de Saúde, dos quais 70 nutricionistas, 220 escolas do 1º ciclo do Ensino Básico, e cerca de 8000 famílias, em cada ronda do estudo COSI Portugal.
Em dez anos, Portugal registou continuamente uma tendência invertida na prevalência de obesidade infantil. De acordo com os critérios da OMS, a prevalência de excesso de peso infantil em Portugal foi, no início do estudo COSI, uma das mais elevadas ao nível Europeu (37,9%) precedida apenas pela Itália. Contudo, a prevalência de excesso de peso nas crianças diminui consistentemente (-8,3%) de 2008 a 2019, deixando os lugares de topo para se aproximar da média europeia em apenas uma década. Importa salientar, no entanto, que ainda uma em cada três crianças (29,6%) tem excesso de peso e 12% obesidade, continuando a ser a doença mais prevalente na infância.
Na base destes resultados, acredita-se que a dinâmica instituída de observação e vigilância da do excesso de peso e da obesidade em crianças, fez com que o País reconhecesse o caracter epidémico da obesidade infantil, que as famílias ficassem mais atentas à doença, que as Escolas procurassem se tornar espaços mais promotores de saúde e que, através do cumprimentos dos objetivos estratégicos multidisciplinares e multissectoriais propostos ao nível nacional, regional e local, se valorizasse a intervenção dirigida aos mais jovens.
Portugal tem beneficiado da ativa participação neste sistema de vigilância nutricional infantil, o qual tem fornecido de forma contínua, informação relevante e pertinente, servindo de suporte a ações e iniciativas políticas no âmbito da promoção de estilos de vida saudáveis, mais concretamente ao nível da alimentação e atividade física. Um dos exemplos mais notórios, foram os dados apresentados sobre o consumo alimentar de refrigerantes entre 2008 e 2016, pelas crianças portuguesas, os quais constituíram um suporte essencial de evidência científica à implementação do Imposto sobre Bebidas Açucaradas.
A trajetória bem-sucedida observada na última década, resulta igualmente de diversas iniciativas a nível local, realizadas sobretudo em ambiente escolar. A escola é reconhecidamente um lugar por excelência para a prevenção do excesso de peso infantil, constituindo uma oportunidade única para educar e moldar hábitos alimentares saudáveis, com maior probabilidade de se manterem para a vida adulta.
O MUN-SI, é um bom exemplo de um programa de base comunitária e de âmbito municipal, que ao longo de 10 anos, tem reunido dados muito consistentes sobre os ganhos em saúde que o destacam, de todas as iniciativas de saúde comunitária nacionais.
Este programa, coordenado por uma equipa de nutricionistas, que assenta numa metodologia compreensiva desenvolvida em harmonia com as necessidades do município envolvendo vários parceiros, stakeholders e o ambiente envolvente da criança (Escola, Turma, Professor, Família e Comunidade local), inclui ainda uma avaliação robusta, que tem sido o fator de sucesso e que tem sustentado a estratégia de implementação, ano após ano.
A tendência decrescente no excesso de peso e obesidade infantil da comunidade local, o aumento da prática regular de exercício, o aumento dos conhecimentos/literacia sobre Dieta Mediterrânica e hábitos alimentares saudáveis, refletem o impacto positivo do programa na mudança de comportamentos nas crianças, que por sua vez se irão espelhar na sua saúde a longo prazo. A mudança comportamental entre as crianças participantes, tem sido marcada principalmente pelo aumento do consumo de hortofrutícolas no momento dos lanches, +2,3% em 2015/2016, e ao pequeno-almoço: +16% em 2014/2015 e +11,9% em 2017/2018, bem como a diminuição da ingestão de refrigerantes, produtos de pastelaria, bolos e bolachas.
Até à data, o Programa MUN-SI contou com mais de 52 nutricionistas, a realizar continuamente mais de 900 sessões dirigidas a cerca de 8000 crianças, e 300 professores em mais de 50 escolas.
A pertinência da implementação e inovação de Programas como o MUN-SI ao nível local, é agora mais evidente do que nunca, e assume já um lugar prioritário na perspetiva de várias entidades nacionais e internacionais. O período pós-pandemia trará novos desafios ao nível socioeconómico e com eles, alguns recuos nos ganhos em saúde alcançados na última década.
Neste sentido, a continuidade do COSI Portugal são ainda mais pertinentes e necessárias de modo a perceber se o trabalho e resultados positivos alcançados até ao momento, os quais vão ao encontro da meta definida pela OMS de até 2025 existir uma estabilização no aumento do excesso de peso entre as crianças, foram comprometidos e de que forma, para que sejam criadas e/ou adaptadas estratégias que incentivem a adoção de estilos de vida saudáveis particularmente durante esta situação excecional.
Ana Isabel Rito
Investigadora e Nutricionista
Doutorada em Nutrição e Saúde Pública
Mestre em Ciências Médicas – Nutrição Humana
Centro Colaborativo da OMS Europa em Nutrição e Obesidade Infantil
Departamento de Alimentação e Nutrição
INSA – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge