Uma das prioridades no diabético tipo 2 é melhorar os hábitos alimentares. Porquê? 2476

A diabetes tipo 2 é um dos principais problemas de saúde pública, afetando cerca de 425 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com os dados da Federação Internacional da Diabetes (IDF). É uma doença crónica, que tem origem numa mistura de fatores não modificáveis (i.e. genética, idade, etc.) com fatores modificáveis (i.e., dieta, sedentarismo, etc.). A nutrição, pelo seu efeito na gestão de peso e no metabolismo, tem uma importância crucial quer no desenvolvimento da doença quer na sua progressão. Ainda assim, e apesar do progresso científico dos últimos anos na formulação de recomendações nutricionais baseadas em evidência, continua a existir uma grande controvérsia e confusão no que diz respeito ao que comer para a prevenção, controlo e remissão da doença.

A diabetes tipo 2 surge em paralelo com o aumento de adiposidade (gordura corporal), estando fortemente associada ao sobrepeso e obesidade. Assim sendo, parece lógico que a perda de peso e a sua manutenção sejam um fator chave na prevenção e tratamento da doença. Não só a perda de peso melhora a glicémia, como também ajuda a prevenir complicações cardiovasculares através da melhoria do perfil lipídico (i.e., colesterol e triacilglicerídeos).

A remissão de diabetes tipo 2 é possível através da dieta, da mesma forma que o aumento de gordura corporal causa hiperglicemia, a perda de gordura corporal reverte a hiperglicemia, ou seja, pode provocar remissão da doença. É importante percebermos o que é que se entende por ‘remissão’. Em geral, a comunidade científica e médica considera que um doente está em remissão quando a glicémia está abaixo dos valores de diagnóstico, sem que o doente esteja a tomar fármacos (por um período de tempo de, pelo menos, 1 ano). Este processo de remissão verificou-se inicialmente em doentes submetidos a cirurgia bariatrica e gradualmente foram aparecendo ensaios clínicos com o objetivo de avaliar a remissão da diabetes apenas com dieta e/ou atividade física. Um estudo britânico recente, com elevadíssima taxa de sucesso, que pretendia avaliar o impacto da perda de peso na remissão da diabetes tipo 2, – DiRECT study – mostrou que a perda de peso era proporcional à taxa de remissão da doença. Verificou-se uma taxa de remissão de 86% dos casos de diabetes nos indivíduos que perderam 15kg ou mais. Mais ainda, o estudo DiRECT mostrou (em março de 2019) que 36% dos participantes (mais de 1/3) conseguiu manter níveis normais de glicémia (manter-se livre de diabetes) durante 2 anos após a intervenção, apenas através da ingestão de uma dieta de baixo valor calórico. Aguardamos agora ansiosamente os resultados do seguimento destes indivíduos por 4 anos. De qualquer forma, o estudo mostra o quão promissora pode ser uma intervenção nutricional na remissão da doença e destrói completamente a teoria tradicional de que a diabetes é uma doença irreversível e progressiva.

É ainda importante perceber que períodos de perda de peso previnem hiperglicemias a (mais ou menos) longo prazo, ou seja; mesmo que um individuo recupere algum peso, por vezes o benefício na glicémia mantem-se durante algum tempo.
De que hábitos alimentares estamos a falar? Vários estudos apontam para a importância do consumo regular de vegetais, frutos, leguminosas, cereais integrais, frutos gordos, também chamados de oleaginosas (ex. nozes, amêndoas, etc.), e alguns lacticínios, tais como o iogurte. É de notar que a informação relativamente aos frutos e oleaginosas é controversa. No caso da fruta fresca ou desidratada, o problema prende-se com a quantidade de frutose (açúcar simples) presente nestes alimentos. É importante que se perceba que a frutose é um açúcar naturalmente presente na fruta e, desde que não se consuma em quantidades absurdas (recomenda-se 2 a 3 pecas de fruta por dia), o consumo de fruta é uma forma saudável de adoçar o paladar. Isto, porque alem da frutose, a fruta é rica em vários outros nutrientes ou compostos que beneficiam o organismo (e as bactérias que nele habitam), nomeadamente, fibra, fitoquímicos, vitaminas e minerais. No caso dos frutos gordos, o problema é a quantidade de gordura e, consequentemente calorias, que está presente nestes alimentos. Mais uma vez, o segredo é moderação. Os frutos gordos têm muito pouca quantidade de hidratos de carbono e a gordura que contem confere-lhes a capacidade de atrasar o esvaziamento gástrico e a absorção dos seus nutrientes. Assim, são uma ótima forma de evitar picos de glicémia em pessoas com diabetes, quando consumidos entre ou durante as refeições (em detrimento de outros alimentos com mais hidratos de carbono).

Em relação aos alimentos a evitar, a evidência científica deixa bem claro que o consumo de carnes processadas assim como cereais refinados e açucares de adição (açúcar de mesa, mel, etc.) é prejudicial à prevenção e ao controlo da diabetes. No caso das carnes vermelhas não processadas a evidência é menos clara, mas dada a sua relação com a doença cardiovascular, o ideal é evitar o seu consumo excessivo para prevenir complicações, sobretudo nos indivíduos que já sofrem de diabetes.

É também consensual o facto do consumo excessivo de gorduras estar associado ao desenvolvimento de diabetes tipo 2, quer pelo seu impacto na ingestão calórica e aumento de peso, quer pela ação nefasta direta da gordura no metabolismo. No entanto, estudos mostram que o consumo de azeite extra virgem cru poderá estar associado à prevenção da doença.

Assim, podemos deduzir que uma forma de prevenir e controlar a diabetes é seguir a dieta mediterrânica. De facto, a dieta mediterrânica esta associada quer a prevenção quer ao controlo da diabetes tipo 2. É uma pena que a enorme publicidade que se faz a este estilo de vida não corresponda ao que realmente se pratica no quotidiano.

Concluindo, a alimentação é tao importante no desenvolvimento da diabetes tipo 2, como na sua prevenção, controlo e até no tratamento. Apesar das controvérsias, a ciência tem vindo a conseguir estabelecer recomendações padronizadas, muito úteis para aqueles que sofrem ou querem prevenir a doença assim como para os profissionais de saúde e a comunidade em geral. Embora a perda de peso e de gordura corporal seja ainda um grande desafio para diabéticos e para a população em geral, tentar incorporar no dia a dia hábitos alimentares saudáveis é sempre uma mais valia, porque pequenos períodos de escolhas saudáveis podem refletir grandes progressos de saúde.

 

Marta Silvestre

PhD in Biomedical Sciences
Investigadora CINTESIS; Professora da NOVA Medical School