A nomeação da Prof.ª Doutora Ana Paula Martins para o cargo de Ministra da Saúde traz consigo, inevitavelmente, a esperança renovada e a expectativa de que teremos a oportunidade de mudança e de melhoria de condições na prestação de cuidados nutricionais à população.
Uma semana depois da minha tomada de posse, o então Primeiro-Ministro, Dr. António Costa, apresentou a demissão, o que significa que ainda não vivenciei um período de estabilidade governativa, fundamental para o encetar de compromissos e o desenvolvimento de trabalhos, desde que assumi este mandato. É certo que trabalharemos com um Governo sem maioria, circunstância que condiciona a estabilidade política, mas da nossa parte, estaremos sempre disponíveis para colaborar e estabelecer processos de diálogo e de articulação que permitam a concretização dos resultados que queremos alcançar.
Nos últimos anos, em Portugal, não foi dada a importância nem a prioridade necessárias à Nutrição e a maior evidência que temos dessa situação é a falta de reconhecimento do papel dos nutricionistas na Saúde em particular, e na Sociedade em geral.
Por não me ter sido deixada uma pasta de transição por parte da anterior Direção precisei de algum tempo para tentar conhecer o trabalho realizado. E foi, fundamentalmente, através das reuniões que ainda tive oportunidade de ter com o anterior Executivo, que percebi que, do ponto de vista prático, não foi dada prioridade a aspetos relacionados com os nutricionistas, quer no que se refere a uma questão fraturante e antiga, que é a carreira dos nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), quer na necessidade extrema de alocação de mais profissionais disponíveis à população na Administração Pública.
Como referi, na ausência de informação disponível, optei por delinear estratégias, assumindo que não havia tempo a perder, tendo como base a realidade do que está a acontecer: existe um excedente de nutricionistas sem acesso a emprego digno, muitos a trabalhar fora da sua área de formação, a par de uma grande carência de cuidados nutricionais disponíveis à população, que contrasta com uma baixa oferta de emprego e postos de trabalho destinados aos nutricionistas. É esta mudança que tem de acontecer e é sobre ela que a Ordem dos Nutricionistas (ON) precisa de depositar os seus esforços.
Temos, neste momento, um enquadramento legal mais forte, com a criação de Despachos e Decretos-Lei que preveem uma maior atenção à saúde e ao estado nutricional da população. Exemplos disso são os diplomas recentes, como o Despacho n.º 12634/2023, que determina a implementação de um modelo integrado de cuidados para a prevenção e tratamento da obesidade e o Despacho n.º 9984/2023, que determina a implementação e reforço da identificação sistemática do risco nutricional em todos os níveis de cuidados do SNS.
Há poucos dias, foi ainda publicado o Despacho n.º 3637/2024 relativo à implementação do sistema Nutri-score como medida de saúde pública de promoção de uma alimentação saudável. Sem dúvida, bases excelentes para a implementação de um trabalho positivo na área da Saúde, no entanto, não se acautelou previamente a existência de nutricionistas em número suficiente nos diferentes campos de ação – hospitais, centros de saúde, escolas, câmaras municipais e entidades do setor social – que tornem efetivas e eficazes estas medidas. A aplicar-se, porque na prática não assistimos também a essa preocupação no terreno, serão, na sua grande maioria, feitas por profissionais não qualificados, o que significa que ficarão aquém do esperado, seja em termos de execução ou de fiabilidade de resultados. Por conseguinte, continuamos a trabalhar o teto, sem garantir que os pilares o vão conseguir sustentar. A ON tem, neste aspeto, um papel fundamental, que é operacional e não “legislador” e é esse trabalho que está, ainda, por fazer.
Pode assim dizer-se que, nos últimos anos, a Nutrição perdeu, ou pelo menos não ganhou, no que se refere ao apoio ministerial à profissão, do ponto de vista da capacitação de recursos humanos para o SNS e do suporte legal para a integração de nutricionistas no sistema de saúde. Exemplos claros dessa situação são a omissão de nutricionistas no Plano Estratégico para o desenvolvimento dos Cuidados Paliativos em Portugal Continental para o biénio 2023-2024, publicado no final de 2023, sendo que, pela primeira vez, os nutricionistas deixam de estar contemplados neste plano estratégico, bem como no que se refere ao documento “Unidades Locais de Saúde: Serviços Integrados de Cuidados Paliativos”, no qual os nutricionistas não constam como elementos integrantes das equipas multidisciplinares de Cuidados Paliativos em Portugal.
Mais recentemente, a Nutrição assistiu a um retrocesso injustificável, com a publicação da Portaria n.º 90/2024/1, de 11 de março, que estabelece os requisitos mínimos relativos ao licenciamento, instalação, organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas das unidades com internamento detidas por pessoas coletivas públicas, instituições militares, instituições particulares de solidariedade social e entidades privadas, ao perceber-se que a dotação destas diversas unidades por nutricionistas não está considerada como requisito mínimo. Estamos a falar de unidades, como Entidades Residenciais para Pessoas Idosas, os tradicionais lares, unidades de convalescença e outras unidades de diferentes tipologias, onde é inaceitável que o nutricionista não seja considerado um profissional essencial para o cumprimento dos requisitos mínimos de qualidade dos serviços de saúde prestados.
Estes são aspetos que teremos de recuperar e corrigir, contando com a sensibilidade e a experiência profissional da nova Ministra da Saúde para os constrangimentos e fortes prejuízos para a Saúde que daí resultarão, se estas situações não forem devidamente revistas e retificadas.
Além disso, temos um atraso no crescimento e na evolução da profissão no nosso país, que contamos poder ter condições para recuperar com o novo Executivo. A carência alarmante de profissionais no SNS, onde seriam necessários mais 900 nutricionistas para cumprir com as metas recomendadas, agora com uma exigência acrescida pela criação das Unidades Locais de Saúde (ULS) como forma de organização dos serviços de saúde, em que a transversalidade e integração de cuidados, muito vocacionadas para a organização em equipas multidisciplinares de intervenção, trazem consigo também uma necessidade particular de estimar o número de profissionais necessários, contemplando novas premissas, que não se podem cingir a número de camas de internamento ou a número de utentes na comunidade. E também essa necessidade não foi acautelada, pelo que neste momento, a solução deve passar pela definição de números mínimos a contratar no imediato, para que possamos falar de ULS comparáveis e competitivas entre si.
Por todas as razões já apresentadas, por sentir que muito mais podia ter sido feito na evolução da Nutrição em Portugal nos últimos anos, deposito a minha confiança e as minhas melhores expectativas na Prof.ª Doutora Ana Paula Martins, como nova Ministra da Saúde, estendendo a confiança a todo o Governo e esperando que, apesar das dificuldades que se adivinham, possam ter condições para defender o país e a população, particularmente no que aos interesses da Saúde e da Nutrição dizem respeito.
A Ordem dos Nutricionistas encontra-se totalmente disponível para colaborar com a nova equipa ministerial na concretização de medidas que reconheçam a nutrição e os nutricionistas como elementos fundamentais para a melhoria da saúde da população.