A categoria “Projeto do Ano — Investigação” era a grande novidade dos Prémios VIVER SAUDÁVEL 2023. O galardão foi entregue a Micaela Morgado, nutricionista e investigadora da Portugal Football School (PFS), da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), pelo desenvolvimento do programa Football and Nutrition for Health, que, ao combinar o futebol recreativo e a educação alimentar, enfrenta as origens da obesidade infantil. “Assistir à evolução das crianças e sentir que fazemos a diferença é verdadeiramente compensador”, sublinha.
Enquanto investigadora principal do projeto Football and Nutrition for Health, o que representa esta distinção, logo no ano de estreia da categoria “Investigação”?
Esta distinção é uma honra para mim e para toda a equipa. É um reconhecimento do trabalho que desenvolvemos e da pertinência do tema. Enquanto nutricionista, sinto-me orgulhosa por contribuir para a valorização da profissão. Além disso, sermos os primeiros premiados na categoria “Investigação” representa um marco histórico para todos os envolvidos.
O que esteve na origem deste projeto de investigação?
Este projeto de investigação foi desenhado e implementado no âmbito do meu doutoramento em Atividade Física e Saúde, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP). O meu contacto com crianças e jovens, enquanto nutricionista, e a elevada prevalência de obesidade infantil do nosso país, associada a hábitos alimentares desequilibrados e à inatividade física, foram o mote para o desenvolvimento do mesmo.
Em que consiste? Como funciona? Em que ano foi criado?
O projeto começou a ser desenhado em 2018 e foi aprovado pela Comissão de Ética em 2019, ano em que começámos a implementar o projeto nas escolas do 1.º ciclo. Consiste numa intervenção multidisciplinar com a duração de 12 semanas, que combina o futebol recreativo e a educação alimentar, inseridos no programa curricular. Neste projeto, tivemos três grupos: um grupo que frequentava duas sessões de 60 minutos por semana de futebol recreativo; um grupo que frequentava uma sessão de 60 minutos por semana de educação alimentar e duas sessões de 60 minutos por semana de futebol recreativo; e um grupo de controlo. O objetivo foi avaliar os efeitos do futebol recreativo isoladamente e combinado com a educação nutricional em diversas variáveis, entre as quais, a composição da microbiota intestinal, os hábitos alimentares e a aptidão física.
Quais são as grandes mais-valias do Football and Nutrition for Health?
O Football and Nutrition for Health mostrou ser um projeto eficaz e bem sucedido na melhoria de todas as variáveis analisadas. É um projeto relativamente fácil de implementar e replicável. Com uma duração equiparada a um período escolar, provámos que é possível contribuir para a prevenção e combate à obesidade infantil, através da educação alimentar e da promoção de maiores níveis de atividade física nas escolas, local onde as crianças passam a maior parte do seu tempo.
Qual foi o impacto junto das crianças?
O impacto foi bastante positivo. Com esta investigação foi possível caraterizar e modular a composição da microbiota intestinal de crianças com excesso de peso e obesidade, estabelecendo novas relações entre bactérias, alimentação e atividade física. Também a nível do estado nutricional, aptidão física e bem-estar, as melhorias foram notáveis. De realçar que o grupo que recebeu a combinação do futebol recreativo e a educação alimentar mostrou um aumento significativo ao nível de conhecimentos sobre alimentação, melhorou a ingestão diária de frutas e o consumo semanal de pescado.
Quais foram as principais dificuldades no processo de criação e implementação deste projeto?
A maior dificuldade foi reunir recursos humanos e financeiros para a execução do projeto e análise de dados laboratoriais.
Que balanço faz do projeto desde a sua implementação?
Foi bastante desafiante concretizar este projeto, pois exigiu uma grande capacidade de gestão de recursos e de tempo, mas o balanço é muito positivo. Assistir à evolução das crianças e sentir que fazemos a diferença é verdadeiramente compensador.
Foi receber o prémio na companhia de André Bastos Coelho, um dos investigadores que colaborou na implementação do projeto e coautor dos estudos. Ficaram surpreendidos com esta distinção?
O sentimento de surpresa quando ouvimos o nome do projeto foi rapidamente preenchido com os sentimentos de honra e pura felicidade.
E qual foi a reação dos restantes membros da equipa?
Ficaram igualmente felizes e orgulhosos com esta vitória. Apesar de não poderem estar fisicamente presentes, estivemos em contacto em tempo real e as reações foram imediatas.
O que vos fez avançar com a candidatura a este prémio?
Concorremos porque acreditamos que a temática do projeto é de interesse nacional. O projeto é inovador e os seus resultados mereciam ser disseminados junto de pares e do público em geral.
Qual foi o segredo da vitória?
Acredito que a vitória foi uma consequência da qualidade do trabalho desenvolvido, pertinência do tema e impacto social.
Por onde passa o futuro do Football and Nutrition for Health? Quais são os desafios?
Gostaríamos que este projeto incentivasse as escolas e autarquias a apostar em ações e projetos que promovam estilos de vida saudáveis de forma contínua, nomeadamente, através da inclusão de nutricionistas e professores de educação física. Adicionalmente, estamos a estudar a possibilidade de juntar o projeto Football and Nutrition for Health ao projeto Super Quinas, promovido pela FPF.
A metodologia do Football and Nutrition for Health pode ser replicada a outros municípios e a outras modalidades?
Um dos pontos fortes do nosso projeto é a sua metodologia replicável. Pode ser extensível a outros municípios. Pode, também, ser alargada a outras modalidades. Importa referir que no nosso estudo escolhemos o futebol por ser uma modalidade acessível e popular entre todas as idades, todas as escolas dispõem de espaços para a sua prática e o material necessário está muitas vezes disponível — bolas, coletes e cones. Além disso, o impacto do futebol na saúde das crianças e jovens tem sido alvo de estudos em todo o mundo e os resultados têm sido encorajadores.
Quais são as caraterísticas essenciais que um nutricionista deve possuir para desenvolver um projeto deste género?
É necessário ter um gosto particular pelas áreas da nutrição infantil, saúde pública e nutrição desportiva. Deve ser dotado de conhecimento científico e metodológico, bem como ter boas capacidades de comunicação, organização e execução.
É nutricionista e investigadora da PFS desde 2019. Que competências e ferramentas são necessárias para trabalhar com crianças?
Primeiro, é preciso gostar de trabalhar com esta faixa etária, que pode ser muito desafiante. Depois, é importante transmitirmos as mensagens científicas com uma linguagem adaptada, ser bom ouvinte, criar empatia e estabelecer pontes entre a teoria e a prática.
Quais são as grandes oportunidades para os nutricionistas que trabalham na área da investigação?
Destaco a oportunidade de produção científica, a sua partilha a nível internacional e o impacto positivo que a investigação pode ter na sociedade.
Tem novos projetos na calha?
Além da possibilidade de disseminar o projeto a nível nacional, o desenvolvimento desta investigação levantou novas questões às quais gostaria de responder, nomeadamente, relacionadas com os níveis de sedentarismo das crianças portuguesas e do impacto desde tipo de projetos na saúde de meninas do 1.º ciclo.
Os Prémios VIVER SAUDÁVEL nasceram em 2021. Qual é a sua opinião sobre esta iniciativa?
Considero uma excelente iniciativa. É necessário valorizar a profissão e reconhecer as melhores práticas. Este tipo de iniciativas motivam e incentivam. Além de ser uma oportunidade de divulgação, partilha entre pares e convívio.
Pedimos que deixe uma mensagem aos futuros participantes dos Prémios VIVER SAUDÁVEL.
Incentivo todos os nutricionistas que estejam a desenvolver ou tenham desenvolvido um projeto de investigação a concorrer à próxima edição dos Prémios VIVER SAUDÁVEL. Acreditem no vosso potencial e dediquem-se inteiramente às vossas causas.
Prémios VS 2023: Football and Nutrition for Health vence na Investigação
ENTREVISTA PUBLICADA NA EDIÇÃO DE JANEIRO-FEVEREIRO DE 2024 DA REVISTA VIVER SAUDÁVEL.