Foi recentemente “extinta” a task force de vacinação liderada pelo Vice-Almirante Gouveia e Melo, e o país desdobrou-se em agradecimentos e homenagens ao homem que nos últimos meses liderou o processo de vacinação contra a COVID19. Aquilo que parecia vir a ser mais um episódio da triste sina portuguesa de imbróglios e falhanços (com critérios de vacinação indefinidos, falta de vacinas e pessoas vacinadas indiscriminadamente para não se estragarem doses), rapidamente ganhou um novo rumo e Portugal pode hoje orgulhar-se do processo de vacinação que decorreu este ano. Das 14 mil doses administradas diariamente em fevereiro, rapidamente se atingiram as 150 mil, tendo o nosso país atingido a meta dos 85% de população vacinada, uma referência a nível mundial. Terá sido necessário um homem de camuflado (e a sua equipa) para que isto acontecesse? E, 16 milhões de vacinas depois, que lições podemos tirar?
Talvez a conclusão mais óbvia seja a de que, sendo Portugal um país pequeno e existindo recursos disponíveis, aquilo que mais necessitamos é de algum planeamento e controlo na execução. “A falta de meios” é, provavelmente, das respostas mais ouvidas quando nos deparamos com algum problema ou dificuldade no nosso país. Mas será mesmo assim? Vejamos o exemplo concreto da área da Nutrição. Em agosto de 2018 foi lançado o concurso público para colocação de nutricionistas nos centros de saúde. Houve 986 candidatos admitidos, dos quais 389 chegaram à fase final. Mas centenas de entrevistas depois, apenas 40 serão incluídos, dos quais cerca de um quarto já trabalha no SNS. Ou seja, três anos para ter mais trinta nutricionistas, um ritmo demasiado lento face às necessidades mais do que identificadas. Há falta de meios? Como se vê pelo número de candidatos na fase final, não. E como se vê pela diversidade de despesas do Estado frequentemente tornadas públicas, também não falta dinheiro.
As poupanças geradas pela contratação de nutricionistas no SNS estão mais que contabilizadas. Existem pessoas qualificadas com vontade para ocupar esses lugares. É possível, ainda, explorar modelos de financiamento e funcionamento mistos, que englobem diversos stakeholders, desde o setor privado e social, passando pelo mecenato e patrocínio de entidades particulares. O PNPAS da DGS tem dado contributos valiosíssimos para a compreensão dos problemas alimentares e nutricionais. A Ordem dos Nutricionistas tem sido uma voz incansável no alerta para aquilo que é preciso fazer. O que nos falta então? Na Nutrição em Portugal, os problemas são conhecidos e as soluções estão identificadas, mas falta “vontade política” para mudar a situação.
Os nutricionistas, a nível individual e coletivo, têm um importante papel na influência que podem (e devem!) exercer para que o combate à obesidade, as diferentes formas de desnutrição ou a alimentação escolar possam melhorar de forma significativa. Não podemos esperar que o assunto se resolva por si ou que sejam outros a resolvê-lo. A juventude da profissão, tantas vezes apontada como causa de vários males, já não é uma condição e o número de nutricionistas tem crescido todos os anos, sendo atualmente significativo. A “vontade política” pode ser mudada, mas isso depende em grande parte da capacidade de mobilizar a opinião pública e influenciar o poder político – algo que ainda não está na mentalidade de muitos nutricionistas. Quantos de nós tentaram conhecer as propostas dos vários partidos na área da Nutrição? E quantos participaram na elaboração dessas propostas? É preciso mudar a “vontade política” e se Portugal conseguiu transformar um plano de vacinação inicialmente condenado ao fracasso num exemplar caso de sucesso, porque não conseguiremos também ser uma referência em matéria de Alimentação Saudável e Nutrição?
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição