O transplante de microbiota fecal (TMF) consiste na inoculação de microrganismos (isolados a partir das fezes de dadores saudáveis) no intestino de um doente. Este pode ser efetuado de várias formas como por exemplo por colonoscopia, endoscopia digestiva alta ou através da ingestão de cápsulas que contenham a microbiota intestinal de um indivíduo saudável.
O TMF é, de acordo com uma meta-análise recente, a intervenção mais eficaz no tratamento da infeção recorrente por Clostridium difficile.
O passado mês de Novembro foi o mês da consciencialização para o Clostridium difficile.
Recentemente renomeada Clostridioides difficile, esta é uma bactéria Gram-positiva, formadora de esporos e produtora de toxinas que existe no intestino de 1 em cada 30 adultos saudáveis. Normalmente, esta bactéria é inofensiva já que os outros microrganismos que colonizam o intestino humano conseguem controlar o seu crescimento. No entanto, a toma de antibióticos pode causar um desequilíbrio na microbiota intestinal e assim, favorecer a germinação dos esporos e o crescimento de bactérias oportunistas, resistentes a antibióticos, como o C. difficile.
A infeção por C. difficile (ICD) constitui atualmente a principal causa de diarreia associada ao consumo de antibióticos nos países desenvolvidos, em doentes internados. Os sintomas variam entre um quadro leve de diarreia e o desenvolvimento de uma doença potencialmente letal designada de colite pseudomembranosa.
O TMF é um tratamento eficaz na ICD recorrente pois, ao recolonizar o intestino do doente, a comunidade de microrganismos proveniente do dador saudável compete com o C. difficile acabando por eliminá-lo.
Um dos aspetos mais importantes para tornar esta estratégia terapêutica segura e efetiva é a criteriosa seleção dos dadores de fezes que, para além de submetidos ao rastreio de doenças infeciosas, não devem apresentar nenhuma patologia à qual esteja associada um desequilíbrio da microbiota intestinal (p.e, obesidade, doenças gastrointestinais, doenças neuropsiquiátricas, etc…).
Foi também em Novembro que se comemorou a Semana Mundial de Consciencialização sobre o Uso de Antibióticos e o Dia Europeu do Antibiótico com o objetivo de sensibilizar a população para a correta utilização deste tipo de medicamentos. Se por um lado, os antibióticos podem aumentar a suscetibilidade a infeções por microrganismos oportunistas, a sua incorreta utilização pode também acelerar o processo (natural) em que as bactérias se tornam resistentes aos antibióticos. Face ao crescimento das resistências bacterianas, os antibióticos correm o risco de perder a sua eficácia e a Organização Mundial de Saúde prevê que, a nível mundial, o número de mortes causadas por bactérias multirresistentes atinga os 10 milhões em 2050. Felizmente, alguns trabalhos têm demonstrado a eficácia do TMF na eliminação de bactérias multirresistentes, em 70% dos casos logo na primeira semana após o transplante.
Por permitir a recolonização do intestino com uma microbiota saudável, o TMF apresenta-se ainda como uma estratégia promissora no tratamento de outras patologias nas quais a disbiose está subjacente. Atualmente, estão registados 383 ensaios clínicos na plataforma clinicaltrials.gov para avaliar a eficácia do TMF, cujos resultados aguardamos com expectativa.
Cláudia Marques
Professora Auxiliar Convidada, NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, Universidade NOVA de Lisboa
Investigadora do grupo ProNutri, CINTESIS