Por Cláudia Marques; Professora Auxiliar de Nutrição e Metabolismo da NOVA Medical School; Nutricionista (0268N), Especialista em Nutrição Clínica
Saber que microrganismos colonizam o nosso intestino já é possível devido à existência de testes que analisam a composição da microbiota intestinal.
Para realizar um teste deste género, primeiro é necessário recolher uma amostra de fezes. Esta amostra é a mais utilizada para a caracterização da microbiota intestinal porque é de mais fácil acesso e dispensa a realização de uma biópsia ao intestino. No fundo, os microrganismos que encontramos nesta amostra fornecem uma visão geral dos microrganismos que estão no intestino.
O ADN presente na amostra de fezes é posteriormente sequenciado e essas sequências de material genético são depois comparadas com bases de dados de microrganismos onde a sequência do seu ADN está depositada. Com recurso a ferramentas de bioinformática que fazem essa comparação de forma automatizada é possível a identificação dos microrganismos presentes na amostra. Simplificando, estes testes analisam os dados da sequenciação de ADN das fezes para fornecer um perfil abrangente da composição da microbiota intestinal. Como resultado, apresentam qual a abundância de cada bactéria, fungo e/ou outros microrganismos (dependendo do teste) no intestino de um indivíduo.
Num ecossistema em equilíbrio, a microbiota intestinal desempenha importantes funções: protege-nos contra a invasão de microrganismos patogénicos, ajuda na digestão e na manutenção do equilíbrio energético, fortifica a barreira intestinal e favorece o desenvolvimento do sistema imunitário. No entanto, sabemos que existem vários fatores que podem perturbar este ecossistema e causar disbiose (desequilíbrio). E também sabemos que a disbiose está subjacente a diversas doenças como a obesidade, a diabetes, a doença inflamatória intestinal e até doenças neurodegenerativas.
Com a realização de um teste de análise à microbiota intestinal, é possível perceber se, comparativamente a um grupo de indivíduos saudáveis, temos ou não disbiose. Ou se, por outro lado, a nossa microbiota intestinal está mais próxima e se assemelha mais àquela apresentada por indivíduos que têm uma determinada doença. Esta comparação é necessária para enquadrar os resultados de um indivíduo e por isso, a escolha da população com a qual os resultados do teste são comparados é determinante na interpretação dos resultados.
Há ainda testes que para além do tipo de microrganismos, analisam também as suas funções e os metabolitos que produzem dando um pouco mais de informação sobre o que estão estes microrganismos a fazer dentro do intestino.
Mas depois do resultado, surge a questão: O que recomendar/o que fazer para tratar a disbiose e aumentar/diminuir a produção de determinados metabolitos?
É aqui que é essencial o acompanhamento por parte de um profissional de saúde (médico, nutricionista, etc…). De forma isolada, estes testes não têm grande utilidade clínica, mesmo que o relatório dos resultados avance com algumas sugestões genéricas. A história clínica é fundamental para a avaliação dos fatores que modulam a composição da microbiota intestinal como a alimentação, atividade física, estilo de vida e medicação habitual. Por outro lado, também não são válidos para diagnosticar doenças e para a interpretação do resultado do teste é necessário saber se existe ou não uma patologia de base.
Se o estilo de vida não é adequado, há recomendações que podem inicialmente ser sugeridas independentemente dos resultados do teste de análise à microbiota. Aliás, as recomendações alimentares para a manutenção de uma microbiota em equilíbrio são sobreponíveis às recomendações para uma alimentação saudável.
Mas ao contrário dos nossos genes, que não se alteram ao longo da vida, a microbiota intestinal pode modificar-se em resposta às alterações do meio ambiente e por isso pode fazer sentido monitorizar a sua composição para avaliar o impacto e a eficácia das intervenções alimentares ou farmacológicas. Por exemplo, num estudo realizado pelo nosso grupo de investigação (Ismael et al, 2021), verificamos que uma intervenção alimentar com base nos princípios da Dieta Mediterrânica causou alterações na composição da microbiota intestinal de indivíduos com diabetes tipo 2 após 4 semanas, apesar de os efeitos na redução da HbA1c só serem visíveis às 12 semanas. Neste sentido, os testes podem vir a ser muito úteis, por exemplo, para confirmar que a intervenção está a produzir os resultados esperados na modificação da microbiota intestinal e que mais tarde essa modificação trará a resposta esperada no hospedeiro. Esta estratégia permite, se for o caso, a alteração da intervenção para uma mais eficaz de uma forma mais atempada.
Já a personalização da intervenção alimentar com base no perfil de microbiota como um todo ou enterótipo (de acordo com a prevalência de um determinado grupo de bactérias) é uma das ideias mais vendidas em conjunto com este tipo de testes. Já existem, de facto, alguns exemplos noutros países em que a microbiota intestinal em conjunto com outros parâmetros é utilizada para prever a resposta glicémica a determinados alimentos e, com isso, é possível personalizar a intervenção em pessoas saudáveis e com diabetes tipo 2. No entanto, esse algoritmo, não está disponível nem foi validado em Portugal, assim como outros que resultam de estudos semelhantes. Sem essa validação, não sabemos se quando aplicados noutra população (diferente daquela que lhe deu origem, com alimentação distinta e noutra localização geográfica), o algoritmo classifica da mesma forma os que respondem e os que não respondem à intervenção, o que limita a sua aplicabilidade clínica.
Assim, apesar de a realização destes testes contribuir para o avanço do conhecimento nesta área, alimentar o desenvolvimento de algoritmos mais robustos, e levantar a elaboração de mais hipóteses, a sua aplicabilidade clínica está ainda distante de todo o seu enorme potencial.