Nota prévia: o título desta crónica é apenas uma provocação, não uma crítica ou sugestão de “traição” aos fisioterapeutas. Como no episódio histórico que deu origem à expressão “Também tu, Brutus?”, não só não foi apenas o filho de Júlio César a apunhalá-lo, como também o imperador assassinado por vários senadores cometeu vários erros que conduziram ao trágico desfecho.
Vem isto a propósito de um artigo publicado há poucas semanas no British Journal of Sports Medicine, intitulado “Alternative models to support weight loss in chronic musculoskeletal conditions: effectiveness of a physiotherapist-delivered intensive diet programme for knee osteoarthritis, the POWER randomised controlled trial”. O nome é extenso, mas pode resumir-se como a avaliação da validade de intervenções nutricionais realizadas por fisioterapeutas a lidar com doentes com osteoartrose do joelho.
De facto, este estudo procurou demonstrar que fisioterapeutas são capazes, e bem sucedidos, a aplicar uma dieta muito baixa em calorias em pacientes com gonartrose. Como resultado destas intervenções conduzidas por fisioterapeutas, 76% dos pacientes perdeu pelo menos 5% do peso corporal e 37% conseguiram mesmo perder mais de 10% do peso corporal. Os autores concluem assim que este é um possível modelo de atuação em pacientes com gonartrose, particularmente tendo em conta o “aumento das taxas de obesidade e os desafios com que se deparam os sistemas de saúde”.
Numa altura em que se discute a definição do ato do nutricionista e o papel das Ordens, será a publicação deste trabalho mais uma ameaça à atuação destes profissionais? Para além de médicos, farmacêuticos e enfermeiros, teremos também fisioterapeutas a realizar atos que consideramos da exclusiva competência dos nutricionistas? E estarão estas profissões a “trair” o nutricionista, usurpando-lhe funções? São questões pertinentes, que exigem uma reflexão alargada e profunda.
Talvez um dos primeiros aspetos a considerar seja definir o que faz o nutricionista e de que forma é relevante na jornada do paciente, seja a pessoa que visa o controlo de peso ou a adequação do padrão alimentar. O nutricionista já não pode ser “apenas” o profissional de saúde que faz alguém perder peso. Se todos reconhecemos que a profissão evoluiu desde a sua génese para áreas que não apenas a dietoterapia, é importante refletir que mais pode o nutricionista fazer dentro daquilo que se relaciona com a sua função original.
Na transição para o século XX os cardiologistas defendiam que apenas eles deviam medir a pressão arterial. Atualmente, com dispositivos que, com aceitável rigor, conseguem medir a pressão arterial em segundos e no conforto da casa do paciente, faria sentido que mantivessem esta reivindicação? Com tudo o que avançou a Cardiologia, em termos de conhecimento e procedimentos, parece óbvio que estes médicos devem dedicar-se a outras tarefas mais exigentes e onde são mais necessários.
Do mesmo modo, em vez de simplesmente tentar estabelecer, “por decreto”, que só os nutricionistas podem fazer aconselhamento nutricional, provavelmente será necessário somar um conjunto de mais valias a essa competência nata do nutricionista. Porque não poderão os nutricionistas vir a solicitar análises e outros exames necessários ao diagnóstico nutricional? Com os avanços nas terapêuticas farmacológicas da obesidade, será despropositado que os nutricionistas pudessem prescrever medicamentos? E porque não considerar também a incorporação de competências e atribuições nas áreas da psicologia ou do exercício físico, tão importantes naquilo que já é a atuação do nutricionista?
No fundo, a profissão de nutricionista tem de evoluir, e o caminho passa seguramente por campos onde atualmente não estamos sequer a pensar atuar ou onde temos pudor de o fazer. Se as outras profissões estão a evoluir, tocando cada vez mais os temas da nutrição, por que razão não poderão também os nutricionistas ambicionar fazer mais e melhor do que o que já fazem?
Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição®