Tabela da Composição de Alimentos: um pouco de história e atualidade 2684

As bases de dados de composição de alimentos, ainda vulgarmente chamadas Tabelas da Composição de Alimentos (TCAs), são essenciais para a investigação epidemiológica sobre relações entre alimentação e saúde ou doença; a avaliação da ingestão de nutrientes por parte dos indivíduos e populações; o planeamento de dietas individuais, institucionais e terapêuticas apropriadas; a formação em alimentação e nutrição; a literacia alimentar; a formulação de produtos alimentares e receitas; e a criação de rotulagem nutricional.

Alguns autores consideram 1818 como a data provável de publicação da primeira TCA, que consistia numa página com 13 linhas e 6 colunas, comparando a qualidade de diversos alimentos.

Contudo, as TCAs no formato conhecido hoje apenas foram publicadas no final do século XIX, sendo talvez a mais conhecida a tabela da autoria de Atwater & Woods sobre a composição química de produtos alimentares americanos (1896). Em Portugal, os primeiros trabalhos sistematizados sobre constituintes dos alimentos, da autoria de Gonçalves Ferreira, datam do final dos anos 30 do século XX e a primeira Tabela da Composição dos Alimentos Portugueses foi publicada em 1961.

A compilação de TCAs nos diversos países decorreu tradicionalmente como uma atividade nacional para atender aos requisitos locais para o cálculo da ingestão de nutrientes. No entanto, a harmonização e compatibilidade a nível internacional, dependente da forma como os valores são expressos e documentados e de como os alimentos são descritos e classificados, revelou-se essencial para o desenvolvimento de investigação epidemiológica nutricional relevante envolvendo vários países. Tal foi demonstrado pelos projetos EPIC “Investigação prospetiva europeia sobre cancro e nutrição” e EFCOSUM “Método Europeu de Inquérito ao Consumo de Alimentos”. Muito do trabalho de harmonização foi e continua a ser desenvolvido desde os anos 80 do século passado, sendo atualmente promovido a nível europeu pela associação EuroFIR (European Food Information Resource) e a nível internacional pela rede INFOODS (International Network of Food Data Systems ). A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) lidera atualmente a harmonização da classificação de alimentos tendo desenvolvido e gerindo o Sistema padronizado de classificação e descrição de alimentos FoodEx2.

Os dados compilados numa TCA têm origens diversas e preferencialmente são valores obtidos por análise química de amostras de alimentos, recolhidas e preparadas especificamente para a base de dados e, como tal, representativas do alimento descrito, tal como disponível para consumo no país respetivo. No entanto, devido ao elevadíssimo número de amostras de alimentos e de componentes a analisar e também à falta de financiamento específico dedicado a esta atividade na maioria dos países, não é possível utilizar apenas esta fonte de dados. Assim, para a compilação de uma TCA, são também utilizados dados provenientes de publicações científicas, dados importados de outras TCAs, rótulos de alimentos, dados estimados a partir de outros alimentos análogos ou de outros componentes, bem como valores calculados para alimentos cozinhados e receitas de pratos compostos, utilizando o rendimento do processo culinário e os fatores de retenção dos nutrientes associados a cada ingrediente e preparação culinária.

A crescente relevância dada à relação entre alimentação e saúde e as políticas de promoção de uma alimentação saudável, com consequente informação e capacitação do cidadão para fazer escolhas adequadas, impulsionou a disponibilização de informação nutricional quer nos rótulos dos alimentos, quer online. Atualmente e muito como fruto do trabalho desenvolvido no âmbito da Rede de Excelência EuroFIR, mais de 20 países europeus disponibilizam as suas BDCAs online.

A TCA portuguesa está disponível para pesquisa online desde 2010 e desde 2017 pode ser descarregada livremente em Excel, no endereço http://portfir.insa.pt/, a partir do menu “Composição de Alimentos > Descarregar Excel da TCA”. Adicionalmente, é também possível a pesquisa por palavra-chave, grupo de alimentos, componentes e lista alfabética, e a comparação da composição nutricional entre diferentes alimentos pertencentes ao mesmo ou a diferentes grupos de alimentos. O ficheiro Excel apresenta os alimentos categorizados pelo sistema FoodEx2.

A versão atual da TCA (v4.1 – 2019) contém 1275 alimentos (crus, cozinhados e processados) com informação sobre o teor de 42 componentes. Esta versão inclui 131 novos alimentos consumidos pela População Portuguesa e identificados durante o projeto Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, IAN-AF 2015-2016, que ainda não constavam da versão anterior. Os novos alimentos pertencem a duas categorias: “Produtos Primários” (74), distribuídos por 8 grupos de alimentos sendo os mais representados os grupos “Leguminosas, frutos de casca rija, sementes oleaginosas e especiarias” e “Produtos hortícolas e derivados”; e “Derivados de Produtos Primários” (57), distribuídos por 9 grupos de alimentos, apresentando maior expressão os grupos “Leite e produtos lácteos” e “Frutos e produtos derivados de frutos”.

A atualização da TCA é um trabalho permanente, realizado de forma harmonizada internacionalmente no contexto de um sistema de gestão da qualidade e utilizando o Sistema de Gestão de Informação FoodCASE, correntemente em uso por 9 países e diversos projetos europeus. O processo de atualização consiste 1) na introdução de informação sobre i) novos alimentos consumidos pela população portuguesa relativamente ao teor dos 42 componentes já disponíveis, e ii) novos componentes, tais como por exemplo, ácidos gordos ómega 3 e ómega 6, iodo e luteína, para todos os alimentos já existentes, e 2) na revisão dos alimentos existentes, quer relativamente à sua descrição, permanência no mercado e teor dos respetivos componentes.

A disponibilização online da nova versão da TCA está programada para dezembro de 2021.

Luísa Oliveira
Mestre em Ciências Farmacêuticas
Departamento de Alimentação e Nutrição
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA)