Suplementação com vitamina B3 – a chave para impedir o processo de neurodegeneração na Doença de Parkinson? 1170

A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum a nível mundial, afetando em Portugal cerca de 18.000 pessoas a partir da 6ª década de vida. Surgindo principalmente entre os 50 e os 80 anos, nas últimas décadas, com o aumento da esperança média de vida da população, temos assistido ao crescimento da sua prevalência.

A DP é uma patologia ainda incurável, na qual o controlo dos movimentos é afetado pela diminuição da produção do neurotransmissor dopamina, consequente de um processo de degeneração cerebral. As intervenções terapêuticas atualmente disponíveis melhoram apenas os sintomas, sobretudo os motores. Têm sido propostas terapêuticas neuroprotetoras que poderão revelar-se vantajosas nas fases iniciais da doença, retardando ou impedindo o processo neurodegenerativo e a sintomatologia debilitante associada, de importância acrescida numa doença de progressão lenta e crónica.

Aumentar os níveis celulares de nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD), que tendencialmente diminuem com a idade, tem sido apontada como uma estratégia para prevenir a neurodegeneração associada ao envelhecimento. O NAD é essencial à atividade de enzimas envolvidas em reações redox do metabolismo energético celular, tendo a sua forma oxidada (NAD+) um papel crítico em processos relacionados com a manutenção da integridade do ADN. A sua reposição poderá ter um papel protetor na disfunção mitocondrial, na neuroinflamação, na desregulação epigenómica e no aumento de danos no ADN neuronal, processos major envolvidos na patogénese da DP. A reposição celular de NAD pode ser realizada através da suplementação oral com o seu precursor biossintético, e derivado da vitamina B3, a nicotinamida ribosídeo (NR), que demonstrou ter efeitos neuroprotetores na DP em ensaios pré-clínicos e ser segura em adultos saudáveis.

Neste contexto, surgiu o primeiro estudo que pretendeu avaliar – em humanos com DP – se a terapia de reposição de NAD, através da ingestão oral de NR, seria segura, aumentaria os níveis cerebrais de NAD e teria impacto no metabolismo cerebral: o NADPARK – A randomized phase I trial of nicotinamide riboside supplementation in Parkinson’s disease. Para tal, foram recrutados 30 participantes com diagnóstico recente de DP e sem tratamento dopaminérgico prévio. Durante 30 dias, e aleatoriamente, administrou-se a 15 participantes 1g/dia de NR (dois comprimidos de 500 mg tomados com 12 horas de intervalo) e aos restantes participantes um placebo. Os resultados obtidos evidenciaram que a administração oral de NR é segura, aumenta os níveis cerebrais de NAD na maioria dos voluntários do grupo experimental e que estes exibiram uma modificação do metabolismo cerebral associada a uma melhoria clínica ligeira. Contudo, é de realçar que o tratamento com NR teve um impacto heterogéneo, porque, admitindo ter existido uma penetração cerebral universal de NR – inferida pela deteção de um metabolito de NR no líquido cefalorraquidiano (LCR) em todo o grupo experimental – e havido um aumento significativo dos níveis cerebrais de NAD na maioria dos participantes, este efeito não foi transversal a todos. Ficam, assim, por esclarecer os mecanismos subjacentes à variabilidade interindividual no metabolismo cerebral do NAD.

Relativamente ao novo padrão metabólico cerebral induzido pela NR, este parece suportar o papel terapêutico desta substância na DP. Primeiro, porque refletiu uma diminuição da captação de glicose nos gânglios basais e nas áreas neocorticais, o que poderá indicar um estado bioenergético mais eficiente, com menor consumo de glicose para manter a produção de adenosina trifosfato (ATP). Segundo, porque, nesta nova rede metabólica cerebral, áreas de atividade metabólica reduzida sobrepuseram-se a áreas de hiperatividade metabólica, próprias da DP, particularmente zonas cerebrais envolvidas no controlo motor, como os núcleos caudado e putâmen. Esta modulação metabólica correlacionou-se com melhorias clínicas, constatadas pela redução do Movement Disorder Society unified Parkinson’s disease rating scale (MDS-UPDRS) score, destacando-se uma melhoria superior na avaliação motora dos participantes com maior expressão do padrão metabólico induzido pela NR.

Dos resultados obtidos destaca-se, ainda, que todo o grupo de intervenção experienciou um aumento dos níveis dos metabolitos do NAD no LCR, no tecido muscular e nas células mononucleadas do sangue periférico (PBMCs); que a suplementação com NR demonstrou ter um papel protetor na neuroinflamação, corroborado pela diminuição significativa dos níveis de várias citocinas pró-inflamatórias no LCR, e que induziu nas PBMCs e/ou no músculo esquelético a expressão de genes envolvidos no metabolismo energético, na resposta antioxidante e nas funções lisossómica e proteassómica. Assim, o estudo NADPARK é o primeiro a sugerir a hipótese de que a suplementação oral com NR pode melhorar os sintomas da DP e ter um efeito neuroprotetor na mesma, por atuar em múltiplos processos implicados na fisiopatologia desta doença.

Os resultados promissores deste estudo piloto recomendam a realização de estudos adicionais, nomeadamente com tamanho amostral maior e tempo de observação mais alargado. Neste contexto, está atualmente a decorrer o estudo NOPARK – a double-blind, randomised, placebo controlled, phase 2 clinical study, que inclui 400 participantes recentemente diagnosticados com DP, com o intuito de avaliar os efeitos a longo prazo da suplementação com NR na progressão da doença. Será a suplementação com NR a primeira terapia neuroprotetora a modificar com sucesso o curso da DP?

Laura Gouveia, Nutricionista (5576N), Mestranda em Nutrição Humana e Metabolismo, NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa
João R. Araújo, Professor Auxiliar da NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa. Investigador do grupo ProNutri, CINTESIS

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