A L-carnitina (LC) é um composto que se encontra naturalmente presente no corpo humano e em todos os mamíferos. Nos humanos, mais de 95 % das reservas de LC encontram-se no músculo esquelético. No indivíduo saudável, a biossíntese ocorre no fígado, rins e cérebro a partir de dois aminoácidos essenciais, a lisina e a metionina, e requer a presença das vitaminas B1, B6 e C e de Ferro ferroso (Fe2+) como cofatores. Contudo, cerca de 75 % da LC resulta da ingestão alimentar, sendo a carne, principalmente a carne vermelha, e os lacticínios, as principais fontes.
Em determinadas patologias, as necessidades individuais podem ser superiores às quantidades obtidas através da alimentação e da síntese endógena, como tal, a LC é considerada um nutriente condicionalmente essencial.
A LC desempenha duas funções essenciais no metabolismo lipídico. Por um lado, assiste à translocação dos ácidos gordos de cadeia longa (grupo acilo) para o interior da matriz mitocondrial, onde serão submetidos à oxidação em beta. Por outro, auxilia na regulação do rácio entre a acetilcoenzima A mitocondrial e a coenzima A livre.
Devido a este papel, por volta do final do século XX, a suplementação com LC no contexto desportivo ganhou popularidade. Este suplemento tinha a finalidade de melhorar o rendimento desportivo, em desportos de resistência, e a sua utilização assentava no pressuposto de que a suplementação de LC aumentaria as reservas e, consequentemente, a oxidação lipídica.
Por sua vez, o aumento da oxidação lipídica permitiria poupar as reservas de glicogénio, conduzindo ao atraso do aparecimento da fadiga e à melhoria do rendimento desportivo. No entanto, cedo se começou a perceber que o processo não seria assim tão linear, pois a suplementação, oral ou intravenosa, não resultava no aumento das reservas musculares.
Tal deve-se, em parte, ao elevado gradiente de concentração existente entre o músculo e o plasma. A LC é transportada ao longo do sarcolema através OCTN2, um simporte de catiões orgânicos e carnitina. No estado basal, a entrada de LC para o músculo esquelético está saturada, pelo que o simples aumentar da ingestão de LC é improvável que aumente a sua concentração. Este transportador é estimulado pelo Na+ extracelular e, como tal, aumentando a atividade da bomba de Na+/K+, por exemplo, pela estimulação pela insulina, o transporte de LC pode ser aumentado.
Em 2007, foi publicado um estudo onde foi testada uma infusão intravenosa de LC e insulina, simultaneamente. Tal como previsto pelos autores, o aumento das reservas musculares foi atingido, porém, esta estratégia além de não ser prática é ilegal no desporto.
Anos mais tarde, um artigo demonstrou, pela primeira vez, que era possível através da suplementação alimentar, despertando novamente o interesse para este suplemento. Embora melhor que o anterior, o protocolo utilizado continuava a não ser prático, pois foi necessária uma dupla ingestão diária de 1,36 g de LC em combinação com 80 g de hidratos de carbono (HC), durante 24 semanas. Uma breve revisão da literatura atual na área da suplementação de LC e o rendimento desportivo descreve estas e outras publicações mais pormenorizadamente.
Relativamente à perda de peso, frequentemente associada a este suplemento, não há, até à data, evidência científica que justifique a sua utilização. O facto da ingestão simultânea de LC com 80 g de HC ser incompatível com a maioria dos regimes de perda de peso, é uma possível explicação.
A inconsistência de resultados e a complexidade dos protocolos de suplementação levou à alteração do foco da investigação. Estudos recentes têm vindo a demonstrar que o interesse deste suplemento pode passar pelo seu efeito antioxidante. Nesse sentido, tem vindo a ser investigado o impacto da suplementação de LC na recuperação pós-exercício e em treino de força, em oposição ao foco inicial.
Pela mesma razão, também o impacto da suplementação de LC em indivíduos diabéticos tem vindo a ser estudado, já tendo sido demonstrados efeitos benéficos em diversos parâmetros clínicos e metabólicos associados à Diabetes Mellitus tipo 2. A melhoria da utilização da glicose, de parâmetros lipídicos e de stress oxidativo, são alguns exemplos. Contudo, uma investigação recente levantou a possibilidade da LC poder aumentar o risco cardiometabólico.
Em suma, tendo em conta o conhecimento atual, é necessário investir na investigação de translação, com ensaios clínicos, cegos e randomizados, onde a efetividade da suplementação com L-carnitina seja avaliada. De modo a conhecer as áreas, condições e populações em que esta poderá ser benéfica, bem como aquelas em que deverá ser evitada, para uma prática clínica baseada na evidência.
Catarina Batista Oliveira
NOVA Medical School, UNL