Sistema agroalimentar europeu deve “ser saudável, dar uma boa nutrição e promover economia” 784

Os sistemas agroalimentares na Europa devem ser “mais sustentáveis, mas têm de continuar a ser saudáveis, a dar uma boa nutrição e a promover a economia” do continente, defende o português Carlos Gonçalo das Neves, que dia 1 de novembro assumirá funções como Cientista-Chefe da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA).

Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, o diretor científico e internacional do Instituto Veterinário Norueguês (NVI) e professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Ártico da Noruega, Tromso (UiT), garante que cada vez mais é necessária a “noção do quão importante a alimentação e o valor da alimentação são para a saúde e para o desenvolvimento sustentável”. Acima da discussão “de mais ou menos carne, peixe ou vegetais”, o diretor científico destaca também a “necessidade para diversificar o leque alimentar com novos produtos”.

“Vamos talvez comer insetos, vamos comer mais algas, e não só vamos comer estes produtos como este e outros vão ser produzidos de maneira diferente”, refere o especialista, que contudo levanta questões sobre este tema: “Quais os valores nutricionais destes produtos? E serão estes valores suficientes para balançar eventuais riscos ou os custos de produção? Todos estes fatores fazem parte de uma nova visão que está na raiz da estratégia europeia farm to fork“, que marca também a ação da EFSA.

Os novos produtos deverão estar alinhados com a ideia de sistemas agroalimentares saudáveis e sustentáveis nos países da União Europeia e membros da EFSA, enquanto se analisam quais os fatores de risco que afetam a segurança alimentar, explica o diretor de pesquisa do NIV. É essencial garantir  que nestes produtos, como em outros, “que não existem patogénios, substâncias cancerígenas ou tóxicas que coloquem em risco a saúde do consumidor, e avaliar igualmente “o valor nutricional e os benefícios para a saúde destes produtos”. “A EFSA terá também aqui certamente um papel a desempenhar”, diz.

“Não vamos conseguir produzir mais comida sem ter de recorrer, seja a novas formas de produzir, seja a novos tipos de produtos” / Créditos: Eivind Røhne, The Norwegian Veterinary Institute

“Não vamos conseguir produzir mais comida sem ter de recorrer, seja a novas formas de produzir, seja a novos tipos de produtos. Isso implica que para motivar o consumidor aquilo que é mais importante é garantir que não existem riscos, ou que a haver sejam conhecidos, mitigáveis e aceitáveis”, continua Carlos Gonçalo das Neves. “Falamos em insetos, mas falamos também por exemplo de comida feita em laboratório, e em ambos os casos necessitamos de mais informação sobre a segurança destes produtos. É por isso essencial trabalhar nesta campanha de sensibilização de quais são os efeitos benéficos para a saúde da pessoa, ambiente e ecossistema, para o bem das gerações que hão de vir depois de nós”, reforça.

“Fiquei muito contente, é uma posição de topo”

Carlos Gonçalo das Neves assume à VIVER SAUDÁVEL que foi “com alegria” que recebeu a notícia de que fora a pessoa escolhida para ocupar o cargo de Cientista-Chefe, que o levará até à cidade de Parma, no norte de Itália, onde esta instituição tem sede e onde exercerá funções a partir de dia 1 de novembro. “Fiquei muito contente, presumo que tenha sido uma forte competição, pois é uma posição de topo na estrutura científica da nossa área, das ciências da saúde e bem-estar animal, segurança alimentar”, garante.

A candidatura ao concurso da entidade da UE partiu de um estímulo externo: “Alguns colegas aqui na Noruega e no estrangeiro, e também da Noruega por parte do Governo, desafiaram-me a concorrer e fi-lo em janeiro”. O futuro Cientista-Chefe assumirá funções que vão ao encontro do trabalho que já desenvolve no país nórdico, e que vai ser marcado pela construção de “relações entre investigadores, ciência, estados-membros, consumidores e indústria”.

Com um novo plano estratégico aprovado pela EFSA em 2021 e que se irá desenvolver até 2027, o seu objetivo enquanto Cientista-Chefe será “contribuir para que este chegue a bom porto”. Destacam-se a dinamização de um maior “ecossistema de colaboração” entre os estados-membros, bem como fazer valer “as avaliações de risco das diferentes valências, para que estejam ao mais alto nível científico possível”. É também essencial que a resposta seja “tão rápida quanto possível e que o pessoal da EFSA – não só em Parma, mas com toda a rede de peritos europeus que fazem parte de diversos painéis, onde existem portugueses também – estejam na linha da frente e assim contribuam para que a Europa continue na posição dianteira da segurança alimentar”.

Carlos Gonçalo das Neves em trabalho de campo

Cada vez mais motivada a “interagir diretamente com os cidadãos”, a EFSA segue também a recente Diretiva Europeia da Transparência. Trata-se de uma garantia para um “processo 100% transparente, em que toda a gente pode acompanhar o processo e ver o resultado final. Todas as partes envolvidas têm a necessária competência científica e não têm qualquer espécie de incompatibilidades ou segundos interesses”. Ainda assim, muitas vezes os processos, assume, são demorados. “Quando se faz um relatório por dois ou três anos, se calhar já houve outros desenvolvimentos importantes. Por vezes temos também fricções quando temos conclusões que podem bloquear processos que podem valer milhões de euros”, por exemplo para grandes grupos económicos da indústria alimentar. Mais um desafio que terá de lidar quando assumir funções.

“A medicina veterinária é uma área que sempre me interessou”

Carlos Gonçalo das Neves terá pela frente as valências alimentares da UE, desde o campo onde são criadas as espécies, até aos pratos dos consumidores. No entanto, a sua carreira científica começou precisamente no reino animal. “A medicina veterinária é uma área que sempre me interessou, tinha um interesse por vida selvagem, espécies selvagens, que é aliás aquilo em que acabei por me doutorar e me especializar. Nunca com o sentido de trabalhar com animais domésticos, mas com esta visão de investigação e trabalho de campo”, afirma.

Durante a sua formação, o cientista decidiu que “queria fazer algo ligado ao gelo, às regiões polares”. Nesse sentido, pediu para estagiar na Noruega ou na Nova Zelândia, nos programas árticos e antárticos, acabando por ser aceite nos dois países. “Pensei, são só seis meses, vou para a Noruega. Depois convidaram-me para fazer o doutoramento e foram mais quatro anos… o pós-doutoramento e assim fui ficando“, revela. Já lá vão 20 anos.

Antes de se mudar para Oslo, para trabalhar no NIV, Carlos Gonçalo das Neves viveu durante 11 anos no norte da Noruega, na cidade de Tromso. Mas já teve a oportunidade de “fazer trabalhos de campo na Sibéria, no Alasca, na Gronelândia e no Norte do Canadá, em zonas fantásticas e em contacto com populações indígenas”, destaca.

Carlos Gonçalo das Neves em trabalho de campo

Foi cônsul honorário convidado pelo Governo português em toda a zona Norte da Noruega, “uma zona consular com mais ou menos a dimensão de Portugal”. Duas décadas depois de sair de Portugal, Carlos Gonçalo da Neves prepara-se para regressar ao Sul da Europa. Em Parma, será o novo Cientista-Chefe da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar.