Em maio deste ano foram publicadas novas guidelines da Sociedade Europeia de Gastroenterologia e da Sociedade Europeia de Neurogastroenterologia e Motilidade referentes a distúrbios funcionais do intestino com diarreia, onde se inclui o síndrome do intestino irritável (SII). Uma vez mais, vemos explanada a recomendação de, durante um curto período de tempo, se seguir uma dieta pobre em FODMAPs. Os FODMAPs são hidratos de carbono fermentáveis de cadeia curta, que englobam oligossacáridos, dissacáridos, monossacáridos e polióis fermentáveis.
Estes hidratos de carbono ao serem fermentados pelos microrganismos presentes no trato gastrointestinal originam gás e ácidos gordos de cadeia curta (AGCC), com uma atividade osmótica, ou seja, com capacidade para aumentar o conteúdo de água do lúmen intestinal, efeito que parece ser amplificado quando estamos perante um estado de disbiose (alteração na diversidade de espécies de microrganismo que colonizam o intestino). Efeitos estes que são responsáveis pelos principais sintomas desta doença, nomeadamente a dor e distensão abdominal, a diarreia e a flatulência.
De facto, há evidência de que esta intervenção alimentar promove a melhoria da sintomatologia gastrointestinal associada à SII, quando comparada com outras diferentes intervenções alimentares. A análise separada e individualizada com as diferentes estratégias alimentares mantém a tendência de diminuição da sintomatologia. Mais recentemente, um estudo randomizado controlado que incluiu 101 doentes com SII fenótipo diarreico mostrou que a dieta pobre em FODMAPs quando comparada com o aconselhamento alimentar comum tem um efeito superior na diminuição da sintomatologia intestina, frequência de defecação e na consistência das fezes às 6 semanas. Outros estudos mostram o seu efeito superior face ao Padrão Alimentar Mediterrânico, ou às recomendações de NICE.
A maioria dos estudos avalia a eficácia da dieta pobre em FODMAPs num curto período de tempo (4 a 6 semanas). Contudo, após o período de restrição inicial deve seguir-se a reintrodução dos alimentos anteriormente excluídos para que se proceda à personalização da dieta e identificação dos alimentos que deverão ser excluídos a longo prazo.
A diminuição da sintomatologia gastrointestinal a longo prazo é evidenciada por diferentes estudos observacionais. Importa alertar do risco de défices nutricionais, especificamente de ferro, de cálcio e de fibra, pelo que a restrição a longo prazo deve ser evitada. Contudo, este não é o único desafio que surge aquando da proposta de um regime tão restritivo.
A alteração do microbiota intestinal, com diminuição da abundância de espécies, como sejam as bífidobacterias, poderá ter um impacto negativo na saúde gastrointestinal. De facto, o microbiota intestinal é um dos fatores que parece estar envolvido na patofisiologia da SII. O conjunto de microrganismos intestinais constitui parte da comunicação do eixo intestino-cérebro, influenciando a resposta imunitária associada à mucosa intestinal, a sensibilidade visceral e a motilidade intestinal.
Por outro lado, este é um regime que é considerado complexo na medida em que requer uma leitura atenta dos ingredientes nos rótulos dos alimentos e que pode limitar a vida social das pessoas que o seguem. É muito importante dar às pessoas com SII um suporte adequado por parte dos diferentes profissionais de saúde que os acompanham, privilegiando uma explicação detalhada e a oferta de outros materiais, como livros de receitas ou aplicações que facilitem o seguimento deste regime alimentar de um modo adequado e seguro.
Por último, é importante reforçar que uma dieta pobre em FODMAPs nem sempre resulta, existe uma percentagem elevada de não respondedores, entre 20 e 50%, pelo que se deve investir na identificação de biomarcadores que possam prever a resposta a esta intervenção, evitando a exposição a uma dieta tão restritiva.
O microbiota intestinal pode ser um biomarcador promissor. Em 2021, Vervier K, et al. conseguiram estratificar as pessoas com SII de acordo com o seu padrão de microbiota e expressão de genes associados. Estes autores verificaram que nos indivíduos com SII existem padrões de microrganismos distintos que denominaram de ‘saudáveis’ e ‘patogénicos’, tendo em consideração a semelhança com os controlos saudáveis. O padrão considerado patogénico caracteriza-se pela menor diversidade bacteriana, ausência de espécies comensais do filo Bacteroidetes e sobrecrescimento de espécies do filo de Firmicutes incluindo patogénicos (Clostridium difficile, Clostridium sordellii, Clostridium perfringens e Faecalicatena gnavus, anteriormente denominada Ruminococcus gnavus). Mais ainda, foram identificadas espécies características da cavidade oral, como Streptococcus parasanguinis e Streptococcus timonensis. De facto, as pessoas com padrão ‘patogénico’ tiveram uma resposta terapêutica significativamente superior com maior diminuição da sintomatologia gastrointestinal quando aderiram ao regime alimentar pobre em FODMAPs.
Não estando ainda completamente definido o padrão de microbiota que caracteriza quem poderá responder ou não a este padrão alimentar, esta é uma área promissora, com enorme utilidade na prática clínica e alinhada com a proposta de um tratamento mais personalizado.
Inês Barreiros Mota
Nutricionista (3718N), Técnica Superior NMS-UNL e PhD Student
Investigadora Comprehensive Health Research Centre (CHRC)