Reflexões sobre as ULS na área da nutrição 624

Por Flora Correia, Professora Catedrática convidada do Curso de Ciências da Nutrição da Universidade Lusófona, em Lisboa, e Presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação. 

 

As Unidades Locais de Saúde (ULS) têm um papel central na organização dos serviços de saúde, com o objetivo de tornar o atendimento mais acessível e próximo das comunidades. Para que um serviço de nutrição seja bem-sucedido dentro das ULS, é necessário que seja estruturado de forma eficiente, regulamentado e integrado no Serviço Nacional de Saúde. A colaboração entre as diversas especialidades, como medicina, enfermagem e psicologia, é essencial para um atendimento completo e eficaz.

O nutricionista desempenha uma função fundamental na promoção de hábitos alimentares saudáveis, na prevenção de doenças crónicas, no tratamento de patologias relacionadas com a nutrição e na educação alimentar das populações. Dentro das ULS, é importante que os nutricionistas possuam formação qualificada e que haja uma boa coordenação com outras especialidades para garantir um cuidado integral ao doente.

As ULS contam também com a presença de nutricionistas que desempenham um papel crucial no setor hoteleiro das unidades hospitalares. Estes profissionais são responsáveis pela elaboração das ementas, assegurando que as refeições atendam às necessidades nutricionais específicas dos doentes e respeitem as diretrizes de saúde pública. Têm uma função essencial no controlo higiénico-sanitário das refeições, garantindo que sejam preparadas e distribuídas de forma segura e adequada. Ademais, garantem a distribuição atempada das refeições aos doentes, o que é fundamental para o bom funcionamento dos serviços e para a manutenção da saúde dos mesmos.

A proximidade dos Cuidados de Saúde Primários com as comunidades oferece uma oportunidade única para desenvolver programas de educação alimentar. Esses programas são cruciais para a prevenção de doenças crónicas, que frequentemente têm a alimentação como fator determinante. A atuação preventiva dos nutricionistas nos Cuidados de Saúde Primários, em especial, contribui para evitar que a população desenvolva doenças que necessitem de cuidados hospitalares mais intensivos.

Além disso, os nutricionistas devem atuar na formação de outros profissionais de saúde, orientando-os sobre a importância da nutrição no cuidado aos doentes. A participação no planeamento e avaliação de serviços de alimentação colectiva, como escolas e cantinas, também é uma parte essencial dessa função. A colaboração com profissionais de atividade física também é fundamental, pois pode contribuir para a prescrição de atividades adequadas às necessidades clínicas de cada indivíduo, complementando o tratamento nutricional.

Os nutricionistas dos Cuidados de Saúde primários têm um papel importante na construção de planos de cuidados que atendam às necessidades dos indivíduos, tanto doentes como saudáveis. A atuação desses profissionais deve ser intercalada com consultas de grupo e individuais, permitindo a troca de experiências e correção de práticas alimentares inadequadas.

Embora a prevenção seja o foco dos Cuidados de Saúde Primário, e especializada, muitos doentes com condições mais graves acabam por necessitar de cuidados hospitalares. A integração entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares é essencial para garantir um atendimento contínuo e adequado. E é esta a questão que me leva a refletir um pouco sobre como esta interligação deve ser feita de forma a pouparmos quer recursos humanos quer materiais.

Quando um doente apresenta um risco nutricional elevado, o encaminhamento para uma unidade hospitalar, onde existe uma equipa multidisciplinar e especializada, pode ser necessário. Exemplos disso incluem doenças como diabetes tipo 1 ou 2, a insuficiência renal ou doenças pulmonares entre outras. Nestes casos, uma equipa hospitalar especializada conseguirá mais facilmente dar um acompanhamento adequado desde estádios precoces da doença, libertando recursos dos centros de saúde.

Por outro lado, atualmente, é comum os médicos de família referenciarem para nutricionistas hospitalares doentes que já estejam a ser atendidos nos Cuidados de Saúde Primários. Essa sobrecarga de recursos e a duplicação de atendimentos não são eficientes e podem ser evitadas com uma melhor comunicação e coordenação entre os cuidados primários e hospitalares, que os “novos” Serviços de Nutrição das ULS poderão permitir. Em algumas situações, um pedido de parecer dirigido ao diretor de serviço de nutrição, que o encaminhará para o nutricionista que considere mais habilitado para o dar tendo em conta a situação específica, poderá ser uma alternativa viável, permitindo a integração de cuidados hospitalares e cuidados de saúde primários.

Considero que estes pedidos de parecer devem ser fundamentados, e que haverá vantagens em definir os motivos de referenciação para uma consulta hospitalar. De igual modo, e não obstante a possibilidade de consulta de informações constantes do registo clínico eletrónico, será conveniente que os pedidos sejam acompanhados por informação que sustente o atendimento hospitalar e que facilite a distribuição dos casos e a intervenção. Para além do diagnóstico principal, a presença de comorbilidades, a intervenção prévia, os resultados analíticos mais recentes e algumas caraterísticas sociodemográficas (como o apoio familiar) poderão facilitar a colaboração e maximizar os seus resultados.

Esta reflexão não pretende ser uma verdade absoluta, mas sim uma contribuição para o aprimoramento do trabalho em equipa dentro dos serviços de saúde. A coordenação eficaz entre profissionais dos cuidados de saúde primários e dos cuidados hospitalares deve ser uma prioridade, com a distribuição clara de funções e o acompanhamento contínuo dos doentes. A colaboração e a troca de informações são essenciais para a melhoria da qualidade do atendimento e para a promoção de uma saúde pública mais eficiente.

A experiência adquirida ao longo de mais de 40 anos de atuação no setor de saúde permite-me concluir que a verdadeira transformação ocorre quando todos os profissionais trabalham juntos, de forma coordenada, para promover o bem-estar da população. O trabalho interdisciplinar e a integração entre os diferentes níveis de cuidado são a chave para o sucesso dos serviços de saúde.