Recomendações de fitoquímicos: necessárias ou dispensáveis? 1797

Os fitoquímicos são um conjunto de compostos de origem vegetal com diferentes estruturas, nem sempre quimicamente relacionadas. O seu estudo tem-se devido essencialmente ao seu potencial benefício para a saúde, sustentado por evidência epidemiológica, observação de uma diminuição do risco de doenças crónicas com a ingestão adequada de fruta e de hortícolas, que são fontes alimentares destes compostos. No entanto, a quantidade adequada de fitoquímicos a ingerir para beneficiar destes efeitos não está determinada e não existem recomendações nutricionais/alimentares específicas para estes constituintes dos alimentos, por não serem considerados nutrientes.

Contudo multiplicam-se as alegações em saúde, a promoção e o incentivo ao consumo destes compostos. Surgem todos os dias novos produtos alimentares, muitas vezes pouco caracterizados, ou suplementos alimentares com alegações que não raras vezes são deficitárias de fundamentação científica, posicionando estes produtos num segmento de risco de toxicidade e de segurança alimentar.

Para ser considerado nutriente essencial e lhe ser atribuída uma recomendação nutricional, um componente alimentar deve ser: (i) um composto único bem identificado ou um derivado; (ii) ter um papel biológico demonstrado e caracterizado o mecanismo bioquímico no qual a ingestão diária recomendada se baseia; e (iii) exibir sinais de deficiência ou função fisiológica prejudicada, associada a uma ingestão inadequada do componente e que responda à suplementação.

Assim, a identificação, a quantificação exata e o conhecimento do processo e mecanismo biológico de um fitoquímico são um caminho fundamental para, com base em evidência científica robusta, se produzirem alegações e recomendações para o consumo destes compostos. Mas este processo encontra muitas barreiras à sua concretização: 1) a caracterização do perfil fitoquímico dos alimentos para a qual não existe sistematização nem globalização e muitas vezes não é percetível a quem não está tão familiarizado com a química destes compostos; 2) a estimativa da quantidade de fitoquímicos ingeridos, que provém de informação obtida pela aplicação de inquéritos alimentares, os quais por si só têm limitações, e pode não refletir fatores como por exemplo, o estado de maturação do alimento e o processamento alimentar que podem alterar esta quantidade; 3) o padrão alimentar, que varia entre regiões e que dificulta a universalidade das recomendações; 4) o efeito biológico dos fitoquímicos para o qual existe muita evidência, mas a sua contribuição específica e única para esse efeito não é clara.

Mais ainda, escasseiam estudos de base populacional (transversais ou longitudinais) que relacionem o consumo de um único fitoquímico com benefício para a saúde, mas em verdade, os fitoquímicos são parte integrante dos alimentos, e como tal, o efeito benéfico que podemos esperar do seu consumo, não pode nem deve ser isolado do efeito na matriz onde se encontra, ou ser atribuído a um composto isolado.

Até ao momento, a comunidade científica tem produzido evidência com compostos isolados, em modelos mais simples (modelos animais ou linhas celulares), o que dificulta a perceção do real valor biológico destes compostos nas condições em que são normalmente consumidos. Urge que o foco da investigação e dos modelos de investigação sejam direcionados para desenhos experimentais de maior aproximação à realidade, para que seja produzida evidência que permita conclusões que espelhem aquilo que de benéfico podemos esperar do consumo destes alimentos ricos em fitoquímicos. Por tudo isto, aplicar os princípios para a definição de recomendações de ingestão alimentar para os fitoquímicos é ainda difícil.

No entanto, dada a forte evidência do papel benéfico dos fitoquímicos para a manutenção da saúde, as recomendações alimentares (menos quantitativas e mais focadas em questões qualitativas), mais do que recomendações nutricionais, são um assunto prioritário e que deverá ser trabalhado pelas entidades competentes e profissionais de saúde e fomentado o ensino e a investigação destas matérias.

Ana Faria
Professora Auxiliar da NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa