Quo vadis, Nutricionista? 120

Por Rodrigo Abreu, Nutricionista na Rodrigo Abreu & Associados e Fundador do Atelier de Nutrição®

 

Para onde vais, Nutricionista? É uma pergunta pertinente, que face a um conjunto de acontecimentos recentes, tem soado mais alto na cabeça de muitos nutricionistas. De facto, não são apenas os colegas mais novos a sentirem dúvidas sobre o que podem esperar da profissão. Se atualmente se fala muito das dificuldades sentidas pelos recém-licenciados, naquilo que aparenta ser um mercado de trabalho saturado ou incapaz de oferecer empregos apelativos a quem investiu na sua formação, há vinte anos, também os então novos nutricionistas se deparavam com obstáculos para iniciar uma carreira. Havia dietistas e nutricionistas, as vagas de emprego eram raras ou inexistentes, e as oportunidades fora do contexto clínico eram manifestamente limitadas. Assim, quando hoje se fala tanto de Nutrição e Alimentação, é difícil perceber como esta maior consciência coletiva relativa ao que faz um nutricionista não se traduz em mais oportunidades e reconhecimento para estes profissionais. É um aparente paradoxo, com causas e motivos diversos, sobre as quais importa refletir, para preparar os enormes desafios que todos temos pela frente.

Da vanidade. A notícia é recente: a portaria nº 82/2025/1, que cria o regime excecional de comparticipação de tecnologias de saúde para a nutrição entérica, exclui os nutricionistas enquanto prescritores. Ignorar por completo o papel que estes profissionais podem ter numa matéria que tão diretamente lhes diz respeito, expõe algo que parece subentendido há algum tempo – o valor dos nutricionistas parece importar cada vez menos. Mais antiga, mas no mesmo sentido, é a indefinição de uma carreira especial de nutricionistas (neste momento os nutricionistas podem distribuir-se por três carreiras distintas). Uma vez mais, os decisores não parecem ter em grande consideração os anseios e o papel dos nutricionistas. E que pensar da contratação de nutricionistas para o SNS? Nem as mudanças no sistema de gestão das ULS vieram agilizar um processo de contratação que continua a ser burocrático, lento e… residual. Ao fim de cerca de 50 anos, continuaremos condenados a ser uma profissão jovem e com pouca expressão?

Da complacência. As alterações impostas aos regimes das Ordens Profissionais afetaram todas as profissões reguladas, mas os nutricionistas podem ter especiais motivos de apreensão. Veja-se o impacto nos estágios, algo que não afeta apenas aqueles que querem aceder à profissão, mas também o reconhecimento e valor dos que já são nutricionistas. Com o cenário de abolição dos estágios no horizonte, perde-se um crivo de exigência e diferenciação daqueles que são os legítimos interlocutores dos temas da Nutrição. Entendemos que para ser nutricionista, basta completar uma licenciatura? Esta questão é particularmente relevante num contexto em que abundam as “formações” para “capacitar” qualquer pessoa a fazer “aconselhamento nutricional”, e em que continuam a abrir novos cursos para formar futuros nutricionistas – são quase 20 instituições com cursos de “Dietética e Nutrição” ou “Ciências da Nutrição”. E assim, enquanto outras profissões tentam aumentar as suas competências (veja-se a pretensão da Ordem dos Médicos em garantir competências em Nutrição Clínica) ou refletir sobre o número de novos profissionais, os nutricionistas parecem evoluir no sentido oposto. Trará o futuro mais profissionais, menos capacitados?

Do abandono. Os dados mais recentes do Observatório da Profissão são de 2019, ainda antes da pandemia e da subsequente crise inflacionista que se lhe seguiu. Mas apesar de terem mais de 5 anos, revelam um cenário desanimador: a taxa global de desemprego entre os nutricionistas é um pouco superior à dos licenciados a nível nacional (diminuiu significativamente entre 2015 e 2019) e o salário bruto médio aferido pelos nutricionistas é menor que o salário bruto médio aferido pelos detentores de uma licenciatura em Portugal. É um cenário que tem como consequências óbvias o multi-emprego, a precaridade da situação laboral, a emigração do talento ou o abandono da profissão. Menos visível, é o desânimo e o desinteresse pelos assuntos da profissão que resultam numa vida associativa menos participada e num menor escrutínio e exigência do rumo da profissão. No futuro, quem quererá ser nutricionista, e quem conseguirá manter-se nutricionista?

Da esperança num futuro que parecia brilhante, com enorme potencial de atuação e reconhecimento, os nutricionistas começam a confrontar-se (e a conformar-se…) com um destino possivelmente menos risonho. Felizmente, continua a haver excelentes exemplos do sucesso e relevância dos nutricionistas na Sociedade – de uma jovem deputada na Assembleia da República, a experientes membros em organismos internacionais como a OMS, são vários os que elevam o reconhecimento da profissão. Nem tudo é mau, nem o cenário inevitavelmente negro. Mas para que seja possível valorizar a profissão e evitar a irrelevância dos nutricionistas, é cada vez mais urgente perguntar: para onde vamos?