Gosto de seguir nos sites de emprego as ofertas que vão surgindo para funções de nutricionista. De facto, estes anúncios são uma espécie de barómetro da profissão, já que tendem a espelhar o custo atribuído às funções que podemos desempenhar e, mais importante ainda, ao valor que o nosso trabalho tem para um empregador. Foi por isso com um sentimento de desilusão que, recentemente, vi (mais) um anúncio para nutricionista onde o salário bruto oferecido era de €650 mensais. Poder-se-ia pensar que a tarefa a desempenhar fosse menor ou em horário reduzido, mas o anúncio em causa especificava claramente uma série de funções a desenvolver, num horário de trabalho completo (8h diárias): realização de consultas, dinamização de workshops, verificação de ementas e trabalho em equipa multidisciplinar não especificado. Estamos a falar de um amplo espectro de ação, que trará, certamente, benefícios para esta entidade empregadora. E, no entanto, contas feitas, estamos a falar de uma remuneração de apenas quatro euros por hora.
Quatro euros por hora… Para quem dedicou 4 ou 5 anos a capacitar-se no ensino superior, com estágio curricular e estágio de admissão à Ordem dos Nutricionistas; para quem foi sujeito a inúmeras avaliações curriculares, deontológicas e profissionais; para quem tem o potencial de reduzir custos diretos e indiretos a uma Organização; para quem pode prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida de dezenas ou centenas de pessoas que ali trabalham. Alguma coisa não bate certo quando alguém publica uma oferta de emprego assim e, pior, quando há profissionais que não têm alternativa senão ir à entrevista tentar a sua sorte para ganhar pouco mais que o salário mínimo nacional.
Por princípio, não concordo com a manipulação dos mercados e a fixação de preços, já que deve ser a lei da oferta e da procura a regular os termos em que as pessoas/empresas se relacionam e negoceiam entre si. Assim, num cenário ideal, uma oferta tão baixa, simplesmente não atrairia candidatos. Mas se o número de nutricionistas à procura de emprego é demasiado grande para produzir um excedente de oferta, por outro lado isso significa que já há profissionais suficientes para se unirem a reivindicar melhores condições. Sabendo que a fixação de preços mínimos é estritamente proibida pela Autoridade da Concorrência (tendo havido no passado Ordens Profissionais multadas por esta razão), que opções existem? A criação de “cooperativas”, mais ou menos formais, onde os colegas distribuem as oportunidades entre si, é um bom passo para aumentar o reconhecimento dos valores a cobrar por determinados serviços, sem entrar em concertação de preços. Também a Ordem pode desempenhar um papel muito relevante na elevação da perceção de valor da profissão e dos seus profissionais, junto dos potenciais empregadores. É um trabalho que já existe e que tem de ser continuamente reforçado, à medida que mais nutricionistas entram para o mercado de trabalho. Mas esta tarefa deve contar também com a participação ativa dos que estão à procura de emprego e com a colaboração dos que já estão bem estabelecidos. A bem do interesse geral, todos temos de fazer algo e não apenas lamentar este tipo de ofertas.
Termino a pensar sobre quem ficará com aquela vaga… será alguém ambicioso, disposto a sacrificar salário para ganhar experiência e catapultar-se para voos maiores assim que puder? Ou será alguém que se resignará a cumprir os “serviços mínimos”, sem iniciativa ou motivação perante tão parco salário? Uma certeza, eu tenho: quem vai perder, em qualquer dos casos, é aquele empregador que não entende que um nutricionista vale muito mais que quatro euros por hora!
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição