O cancro do ovário é conhecido como ‘silent killer’ (assassino silencioso). Um tumor que, explica Cláudia Andrade, especialista em obstetrícia e ginecologia no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra – Unidade de Ginecologia Oncológica, “cresce de forma silenciosa, sem sintomas”. Com o estatuto de 8.º tumor mais frequente na mulher em todo o mundo, foi responsável por 314.000 novos casos e 207.000 mortes em 2020, estimando-se que, segundo a Globocan, até 2040 o número de mulheres diagnosticadas aumente mais de 36% para 429.000, com o número de mortes a chegar 305.000. (1,2) Um cancro que tem como um fator de risco a predisposição genética, ou seja, a existência de uma mutação do gene BRCA1 configura um risco entre os 40-50% de ter a doença e a mutação no gene BRCA2 um risco entre os 10-20%. (3)
Segundo a especialista, “o conhecimento sobre tumores hereditários é cada vez maior. Vemos cada vez mais doentes com vontade de saber mais e com necessidade de procurar mais informações”. Ainda de acordo com a médica, “é frequente, hoje em dia, em consultas de rotina, ver doentes preocupadas com a possibilidade de poderem vir a desenvolver cancro, fazendo esta associação com o número de casos afetados com cancro na família. A mutação BRCA hereditária é aquela em que há talvez maior conhecimento, associado ao cancro da mama e do ovário, muito em parte também devido a alguns casos públicos mediáticos. O que falta divulgar e promover é a existência da mutação não-hereditária e o desenvolvimento de fármacos que alargam o espectro de tratamento destes tumores BRCA”.
O teste genético é a melhor forma de confirmar – ou não – essa suspeita. “Todas as doentes com cancro do ovário epitelial e algumas com cancro da mama devem fazer o teste genético, normalmente requisitado nos hospitais onde estão a ser tratadas. Caso o teste comprove uma mutação hereditária, deve ser alargado aos membros da família”, confirma a médica. “Para quem tem a mutação e tem cancro, hoje em dia, existe a oportunidade de um tratamento alargado, com vários fármacos, que lhes permite aumentar a sobrevivência. Para quem tem a mutação ainda sem doença, há um programa de vigilância específico apertado, normalmente nos centros de referência, e com a possibilidade de tratamentos profiláticos para evitar o desenvolvimento da doença”.
Por ser um ‘silent killer’, o cancro do ovário é diagnosticado, “na grande maioria das vezes, em fases avançadas da doença”, isto porque é nesta fase que começam os sintomas, muitas vezes inespecíficos, o que pode levar a confusão com outras doenças. (3) “São estes: perda de peso, falta de força, aumento do volume abdominal, dores generalizadas, náuseas, sensação de enfartamento, etc. O diagnóstico precoce desta doença é a maioria das vezes fortuito, numa consulta de rotina de ginecologia ou associado a algum evento agudo, como na torção do ovário afetado, que leva a doente à urgência.”
Uma vez que não existe “um rastreio organizado, por não haver ainda nenhum método diagnóstico eficaz validado para o efeito, que possa ser reproduzido em massa na população e com comprovada deteção precoce do cancro, a melhor forma de detetar atempadamente este tipo de tumor é a realização periódica de exame ginecológico com ecografia ginecológica”, refere a especialista. O que significa que são essenciais as consultas de rotina. “Estar atenta aos sinais e sintomas, como no cancro da mama, não é suficiente para diagnosticar precocemente e aumentar as hipóteses de sobrevivência. É preciso fazer consultas de rotina de ginecologia regulares. Após o diagnóstico, é importante saber que a sobrevivência aumenta quanto melhor for o tratamento cirúrgico e este deve ser realizado em hospitais de referência para tratamento deste cancro. Outro aspeto a salientar são os tratamentos inovadores individualizados, que têm vindo a surgir para este cancro, e que têm melhorado a sobrevivência destes doentes”, acrescenta.
A campanha “saBeR mais ContA” é uma iniciativa da Careca Power, Evita, MOG, Europacolon, Sociedade Portuguesa de Genética Humana, Sociedade Portuguesa de Ginecologia, Sociedade Portuguesa de Oncologia e Sociedade Portuguesa de Senologia, com o apoio da AstraZeneca, que conta com um website e presença das redes sociais.
Referências:
(1) Global Cancer Observatory (GCO) – International Agency for Research on Cancer – World Health Organization (WHO). 2020. Disponível em:
https://gco.iarc.fr/tomorrow/en/dataviz/trends?types=0_1&sexes=2&mode=cancer&group_populations=1&multiple_populations=1&multiple_cancers=1&cancers=25&populations=903_904_905_908_909_935, consultado em abril de 2021;
(2) Global Cancer Observatory (GCO) – International Agency for Research on Cancer – World Health Organization (WHO). 2020. Disponível em:
https://gco.iarc.fr/today/online-analysis-table?v=2020&mode=cancer&mode_population=continents&population=900&populations=900&key=asr&sex=0&cancer=39&type=0&statistic=5&prevalence=0&population_group=0&ages_group%5B%5D=0&ages_group%5B%5D=17&group_cancer=1&include_nmsc=1&include_nmsc_other=1, consultado em abril de 2021;
(3) Guia as mutações BRCA e o cancro, News Engage, 2019 – Capítulo “Patologia do cancro do ovário – Sintomas, incidência e fatores de risco” da autoria do Prof. Doutor Miguel Abreu.