Profissionais de saúde perpetuam estereótipos sobre mulheres grávidas negras 1591

Uma tese de doutoramento na Universidade de Coimbra analisou as experiências de gravidez de mães negras em Lisboa e concluiu que profissionais de saúde continuam a perpetuar estereótipos e vieses sobre estas mulheres.

A tese de Laura Brito, intitulada “Interseção de raça, género e classe – uma análise das experiências de gravidez, parto e pós-parto das mães negras e afrodescendentes em Lisboa”, concluiu que, apesar de não haver uma discriminação formal no acesso aos serviços de saúde, as experiências destas mulheres são marcadas por diversas formas de violência (de género e racial), com os profissionais de saúde a perpetuarem estereótipos.

O doutoramento, realizado no âmbito do programa do Centro de Estudos Sociais “Pós-colonialismos e Cidadania Global”, recorreu a um questionário com 119 respostas válidas e a 17 entrevistas aprofundadas com mulheres negras.

Se no questionário se nota que os cuidados terapêuticos tendem a seguir as recomendações da Direção-Geral de Saúde no período da gravidez e pós-parto, já no caso do parto, a nível hospitalar, os cuidados “começam a fugir às recomendações”, algo que poderá estar relacionado com uma cultura portuguesa de um “parto muito instrumentalizado”, disse à agência Lusa Laura Brito, formada em antropologia.

“Essa medicalização do parto é transversal a todas as mulheres, classes e raças”, aclarou a investigadora.

Mesmo assim, no questionário, apesar de a maioria afirmar que não sofreu de violência obstétrica (63,9%), 6,7% consideraram ter sofrido violência obstétrica e que esta estava relacionada com a sua identidade étnico-racial.

Foi nas entrevistas aprofundadas que Laura Brito identificou a perpetuação de estereótipos.

Há o relato de uma mulher que foi ao hospital, já grávida, com perda de sangue, e o médico que a atendeu perguntou se alguma vez tinha levado uma facada.

“Porque é que haveria de ter levado uma facada? Até hoje isso faz-me imensa confusão. Essa foi a situação em que eu disse, ‘não, nunca me fariam esta pergunta se eu fosse uma mulher branca aqui sentada à frente dele, com a preocupação de ter algum problema com o bebé’”, relatou.

A ideia de que as mulheres negras aguentam melhor a dor e consequente desvalorização de sintomas são algumas das questões levantadas nas entrevistas.

Há o caso de um bebé que nasceu sem orelhas, depois de 11 ecografias durante a gravidez, sem que a mãe tivesse sido informada da condição do filho, e outra em que a médica terá pressionado uma grávida para levar o seu caso a uma assistente social.

“O racismo estrutural não faz pausa no bloco de partos”, afirmou uma das entrevistadas, citadas na tese.

Outra das mulheres contou que foi coagida pela médica a pôr um dispositivo intrauterino para não engravidar, quando o seu desejo era voltar a ter filhos, apontou Laura Brito.

“Sobretudo, os estereótipos estão relacionados com o controlo do número de filhos que têm. Há também um forte peso sobre o acompanhamento da Segurança Social para verificar que têm condições e a resistência à dor. Elas relatam que pediam ajuda, que queriam epidural e que lhes era negado, que diziam: ‘Você é forte, as mulheres pretas são boas parideiras’”, afirmou a investigadora.

Segundo Laura Brito, há episódios de violência sobre os quais as mulheres não tinham consciência, ganhando-a posteriormente, nomeadamente através de trabalhos como o da sua tese e da Associação Saúde das Mães Negras e Afrodescendentes e Racializadas em Portugal, da qual é cofundadora.

“Ao olharem para outros relatos é que muitas fazem o processo de introspeção e entendem que há um padrão”, constatou.

Para a investigadora, é importante que o Serviço Nacional de Saúde e seus profissionais façam uma reflexão sobre questões de discriminação, considerando que esse exercício deve ser “mobilizado por alguém que vem de fora, com conhecimento”.

Laura Brito defende também um estudo mais abrangente, a nível nacional, para entender a relação dos serviços de saúde com minorias étnico-raciais.