Procriação medicamente assistida: a história de 40 anos de desafios e conquistas 57

A procriação medicamente assistida (PMA) demonstra ser uma área em constante evolução e ainda com muitos passos para dar, apesar de ter começado com muitos desafios. Após cerca de 40 anos, a PMA tem dado um motivo aos casais para sorrir, através da concretização dos seus sonhos. Ainda assim, é uma prioridade aumentar a literacia e informação sobre fertilidade, conhecer a regulamentação e as leis e agir em conformidade. Todos estes temas foram debatidos no evento “O Passado, Presente e Futuro da Fertilização In Vitro (FIV)”, que decorreu a 19 de dezembro, em Coimbra.

A marcar presença esteve Isabel Torgal, diretora clínica da Ferticentro, Joana Mesquita Guimarães, diretora clínica da Procriar e membro do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, e Vladimiro Silva, diretor científico das Clínicas Procriar, Ferticentro e Ava Clinic, no papel de moderador.

Porque o futuro não se faz sem o passado, o encontro começou com uma retrospetiva de Isabel Torgal, pioneira na FIV e com 40 anos de experiência em PMA em Portugal, para conhecer os feitos já realizados no país e no mundo nesta área. A especialista recordou como tudo começou, quando existia uma grande carência de meios complementares para oferecer aos casais: “Tínhamos de improvisar muito material, por exemplo construir agulhas.” No entanto, tudo o que se conhecia até então foi evoluindo até em 1978 nascer o primeiro bebé com fertilização em vitro. “Recebemos esta notícia com entusiasmo, mas sem surpresa, porque sabíamos que iria acontecer.”

Já Joana Mesquita Guimarães, “missionária da luta para o desenvolvimento de centros de procriação”, como se intitula, relembra o seu início vários anos depois de Isabel Torgal ter sido pioneira na área. E este fator foi diferenciador para encontrar uma área já muito mais desenvolvida. “Entrei na medicina de reprodução em 1999, em que tudo já se fazia”, recorda.

Várias décadas se passaram; o futuro é ainda incerto, mas os especialistas garantem que é promissor. Atualmente, o conceito one size fits all já não se aplica, pelo que a inteligência artificial (IA) pode também ter um papel determinante, como explica Joana Mesquita Guimarães: “Desta forma, vamos ser capazes de determinar a dose e o protocolo exatos. Já na vertente laboratorial, pode ajudar na automatização dos laboratórios e na identificação dos melhores embriões.” Assim, o futuro deve estar cada vez mais centrado na personalização e no foco do paciente e do casal: “A procriação vai evoluir muitíssimo com um cuidado de excelência prestado.”

Enquanto membro do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, Joana Mesquita Guimarães expressa a sua preocupação pela regulamentação da PMA e por questões de ética: “Portugal é um país que tem uma legislação muito forte a favor da PMA, mas temos de ter a preocupação de não fazer algo que não está regulamentado. Isto porque a ciência evolui mais rápido do que a ética e as leis.”

Além disso, a desinformação e iliteracia sobre fertilidade é também uma das grandes preocupações dos especialistas. O primeiro passo deve ser educar para a fertilidade e, para isso, as escolas têm o dever de o fazer na disciplina de educação sexual, alertando para fatores como o álcool, drogas, tabaco e obesidade como prejudiciais. “Todos têm um impacto dramático na fertilidade”, refere Joana Mesquita Guimarães.

Apesar de atualmente as mulheres priorizarem as suas carreiras e vidas profissionais, a especialista relembra que o período fértil recomendado para engravidar é entre os 25 e os 30 anos, o mais tardar até aos 35. Já Isabel Torgal, perante este desafio, sugere que “deve haver uma preocupação acrescida para guardar ovócitos”.

A criopreservação surge, assim, como uma oportunidade para a mulher engravidar mais tarde, mantendo as suas reservas de fertilidade. Em Portugal, o processo de criopreservação dura cinco anos, podendo depois ser renovado. Durante este período, os óvulos mantêm a sua vitalidade e qualidade, permitindo que as mulheres possam ser mães mais tarde. Mas as vantagens não terminam por aqui: a criopreservação é uma ferramenta útil para as mulheres que sofrem de doenças oncológicas ou autoimunes, cujos tratamentos prejudicam a sua fertilidade.

Ainda assim, é de relembrar que a criopreservação é apenas uma opção, mas que não deve ser o primeiro caminho a seguir, porque nem sempre tem resultados positivos e de sucesso para uma gravidez tardia.

Por fim, Joana Mesquita Guimarães relembra que “quem faz tratamentos de fertilidade passa por muito sofrimento”, desde vergonha, frustração, ansiedade. São todas estas emoções que vê nas suas pacientes, sendo importante ter o apoio da Psicologia durante todo este processo.

Mas, no fim desta jornada (que, na verdade, é só o início), tudo o que resta é gratidão: “Estão gratas para toda a vida e são esses sentimentos que nos fazem continuar e lutar, apesar das limitações sociais e das dificuldades.”