A profilaxia pré-exposição (PrEP) ao vírus VIH vai ser alargada aos centros de saúde e a organizações de base comunitária no próximo ano, anunciou esta terça-feira (29) a secretária de Estado da Promoção da Saúde.
“Queremos alargar o acesso de PrEP aos cuidados de saúde primários e às organizações de base comunitária que tenham condições, motivação e meios para o fazer”, uma medida que está inscrita no Orçamento do Estado para 2023, adiantou Margarida Tavares na apresentação do relatório sobre a “Infeção por VIH em Portugal – 2022″.
Segundo a antiga diretora do Programa Prioritário para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), a PrEP constitui uma “ferramenta muito poderosa” para interromper a transmissão e “reduzir drasticamente a incidência da infeção”.
“De facto há pessoas que, neste momento, têm total noção do risco que correm e que querem esta solução”, salientou a secretária de Estado, ao considerar que em causa está um “programa estruturado”, que pode também prevenir outras infeções sexualmente transmissíveis.
Atualmente, a PrEP existe sob a forma de comprimidos e é utilizada por pessoas que não estão infetadas com o VIH com o objetivo de reduzir o seu risco de infeção. Está atualmente disponível em Portugal nos hospitais que integram a rede de referenciação hospitalar para o VIH, sendo a sua prescrição realizada por médicos especialistas, após avaliação do risco de infeção e mediante o consentimento informado da pessoa.
No encerramento da sessão, Margarida Tavares admitiu ainda que a doença possa deixar de ser de declaração obrigatória, uma possibilidade que disse necessitar de ser “muito bem pensada” para encontrar formas de monitorizar os dados.
A declaração obrigatória de uma doença pretende que se consiga rapidamente atuar para cortar a transmissão e controlar uma infeção, através de inquéritos e rastreio de contactos, uma situação que não se aplica ao VIH, disse.
Em Portugal, “felizmente muito rapidamente iniciámos a terapêutica antirretrovírica dos doentes infetados diagnosticados e interrompemos desta forma a transmissão” do vírus, salientou a governante. “É muito importante esta função de notificar, de recolhermos a informação, mas temos de ser capazes de dar um passo adicional com toda a segurança”, disse Margarida Tavares.
Segundo o relatório apresentado esta terça-feira pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), o número de novos casos de infeção por VIH manteve a tendência decrescente em 2020 e 2021, com 1.803 diagnosticados neste período, situação que já se verifica desde o início do século.
Em 2020, foram notificados 870 novos casos de infeção, entre os quais duas crianças, e no ano seguinte 933, entre os quais mais duas crianças, correspondendo a uma taxa média de diagnósticos para o biénio de 8,7 casos por 100 mil habitantes, não ajustada para o atraso da notificação, refere o documento.
Uso da PrEP aumentou em 2020
O número de pessoas a fazer profilaxia pré-exposição da infeção por VIH (PrEP) aumentou 26% em 2020 face ao ano anterior, um número que as autoridades reconhecem ainda ser insuficiente, segundo o relatório. Em 2020, 1.586 pessoas estavam a fazer PrEP, uma forma eficaz de prevenir a infeção pelo VIH, através da toma de dois medicamentos, das quais 786 pela primeira vez na vida.
A população abrangida apresentou características idênticas às observadas nos utentes em 2019, ano em que 1.252 receberam PrEP pelo menos uma vez na vida, sendo maioritariamente do sexo masculino (96%), homens que têm sexo com homens (51%), migrantes (11%) e trabalhadoras e trabalhadores do sexo (2,5%).
As autoridades consideram que o número de pessoas atualmente abrangidas pela PrEP “é insuficiente, quer pelo tempo de espera para consulta de utentes referenciados, nomeadamente em alguns centros urbanos, quer por estimativas de número desejáveis de indivíduos a tratar, baseadas na coorte de Lisboa de homens que têm sexo com homens”.
Diagnósticos tardios preocupam
A Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS) manifestou preocupação com os diagnósticos tardios de VIH, defendendo o reforço de estratégias diferenciadas para aumentar a testagem, aproveitando os contactos dos utentes com o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“São sempre números que preocupam a Liga Portuguesa Contra a Sida que há 32 anos desenvolve o seu trabalho para prevenir esta infeção por VIH e que desde 2012 alargou às outras IST [infeções sexualmente transmissíveis]”, afirmou Eugénia Saraiva numa resposta escrita à Lusa.
Relativamente aos 298 óbitos registados neste período, disse que são igualmente “números sensíveis”, assim como os diagnósticos tardios que, segundo o relatório, foram observados em 55,4% dos casos entre 2012 e 2021. “[Estes dados] leva-nos a refletir que podemos identificar oportunidades de quebrar a cadeia e de evitar mortes prematuras, se chegarmos a estas pessoas”, defendeu.
Para Eugénia Saraiva, a idade de diagnóstico também constitui uma preocupação, uma vez que a mediana das idades dos novos casos de infeção é 39 anos e em 27,6% tinham 50 ou mais anos, e também deve fazer refletir sobre como se pode efetivar e promover a educação e a literacia na saúde.
Outra preocupação manifestada pela responsável prende-se com o facto de a Área Metropolitana de Lisboa reunir a maioria dos novos casos, com destaque para Loures (173) e Odivelas (161). Para a Liga, é importante descentralizar as consultas de profilaxia de pós-exposição ao VIH (PPE) e de pré-exposição (PREP) para estruturas de proximidade.
“A PREP é mais que a toma de um comprimido, é um programa estruturado que poderá prevenir outras IST, tem de ser (des)hospitalizada e integrada em estruturas de proximidade como por exemplo a Liga Portuguesa Contra a Sida”, defendeu.