Implementado no ano letivo 2022/2023, o R23 — Cocriação de uma intervenção para aumentar a adesão aos refeitórios escolares do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico de Benavente mobilizou a comunidade escolar e «levou a um aumento significativo de 24% na adesão ao refeitório e uma diminuição do desperdício alimentar de 21%», destaca Rute Espanhol, nutricionista da Câmara Municipal de Benavente (CMB). Foi agora distinguido nos Prémios VIVER SAUDÁVEL 2023, na categoria “Projeto do Ano — Alimentação Coletiva e Restauração”.
Enquanto responsável pelo projeto R23, o que representa esta distinção?
Um importante reconhecimento do nosso trabalho! O prémio, atribuído por um júri constituído por nutricionistas, deixa-nos muito orgulhosas do nosso projeto R23.
O que esteve na sua origem?
A constatação que a adesão aos refeitórios nos 2.º e 3.º ciclos e secundária era bastante baixa, inferior a 20%. Algo que não existe no 1.º ciclo e pré-escolar, onde temos praticamente todos os alunos a almoçarem nos refeitórios. Este problema, que era novo para nós, levou-nos imediatamente a colocar no nosso plano de atividades a implementação de um projeto que respondesse a esta situação.
Em que consiste? Como funciona? Em que ano foi criado?
O projeto começou a ser desenhado em 2022, quando começámos a preparar a transferência destes refeitórios para a CMB e foi implementado no ano letivo 2022/2023. No ano de 2022 estava a frequentar o primeiro ano do mestrado em Alimentação Coletiva, da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP), e tive o privilégio de assistir a várias aulas que serviram de inspiração. Desde o início percebemos que o projeto tinha de ser participativo se queríamos mudar a perceção negativa que estava associada a estes refeitórios. Optámos por usar a abordagem de cocriação e começámos, ainda no ano letivo 2021/2022, a trabalhar com a coordenação da escola e agilizar as parcerias necessárias com as associações de alunos e pais e professores. Quando começou o ano letivo 2022/2023 já tínhamos definido todas as atividades e cronograma e garantido o apoio necessário das direções dos agrupamentos de escolas.
O ponto alto do projeto foram os workshops com os alunos e pais onde colocámos a questão: “Como poderemos nós redesenhar o serviço de refeições de forma a aumentar a adesão dos alunos ao refeitório e aumentar a satisfação com as refeições?”. O serviço de refeições, ementa e ambiente do refeitório foram os principais componentes da intervenção trabalhados durante o processo de cocriação. Obtivemos muitas propostas, que foram implementadas de forma significativa. Destaco as seguintes: criação do buffet de saladas, renovação do espaço de refeições, música ambiente, esplanada e criação de uma terceira opção na ementa.
Quais são as grandes mais-valias do R23?
Diria que a inovação do projeto assenta na abordagem de cocriação, ou seja, decidimos que a intervenção teria de ser desenhada em estreita colaboração com a comunidade escolar — um projeto bottom-up, em oposição aos projetos top-down que são frequentemente implementados nas escolas. Os principais interessados, os alunos, foram envolvidos desde o início no projeto e as suas propostas para a criação de um novo conceito para o refeitório da escola foram consideradas de forma significativa. Adiciono que outra mais-valia deste projeto foi o facto de termos uma escola-controlo, o que permitiu tecer conclusões mais robustas.
Qual foi o impacto nas escolas?
O R23 levou a um aumento significativo de 24% na adesão ao refeitório e uma diminuição do desperdício alimentar de 21%, indicando um aumento da satisfação com as refeições. Além destes dois principais resultados, conseguimos ainda obter evidência científica interessante. Por exemplo, encontrámos uma associação positiva entre a adesão ao refeitório e a adesão ao padrão alimentar mediterrânico (PAM). Alunos que vão mais vezes ao refeitório têm uma maior adesão ao PAM. Este resultado fornece evidência importante que justifica um maior investimento na alimentação escolar como forma de melhorar o estado nutricional e hábitos alimentares das nossas crianças e jovens.
Quais foram as principais dificuldades no processo de criação e implementação deste projeto?
O R23, tal como foi desenhado, enquanto estudo quase-experimental, implicou a recolha de muitos dados — socioeconómicos, antropométricos e de hábitos alimentares — a cerca de 800 alunos. A avaliação final foi difícil, pois após a Páscoa os alunos têm imensas atividades, como as provas de aferição. Também foi um período em que houve muitas greves de funcionários e professores. Avaliar todos os alunos que estavam a participar neste estudo implicou um investimento considerável da equipa. A parte de cocriação também não foi fácil. O envolvimento dos pais nos projetos das escolas é sempre um desafio muito grande. Gostávamos de ter tido mais pais a participar.
Que balanço faz do projeto desde a sua implementação?
Começámos o projeto com cerca de 100 refeições diárias servidas na escola de intervenção, neste momento já temos dias que ultrapassamos as 300. Este aumento resulta de uma mudança clara na perceção da qualidade das refeições por parte dos alunos, mas também dos pais, professores e funcionários. Sentimos que conseguimos mudar significativamente a imagem negativa que as cantinas tinham.
Foi receber o prémio juntamente com Catarina Jacinto Soares, também nutricionista na CMB. Ficaram surpreendidas com esta vitória?
Sim! O RODA — Reduzir O Desperdício Alimentar, o outro nomeado, é um projeto de elevada qualidade numa área bastante importante e que está na ordem do dia. Apesar de sabermos que o nosso projeto também tem muito valor, achamos que a escolha do júri não deve ter sido fácil.
E qual foi a reação da comunidade escolar que colaborou no projeto?
Este reconhecimento foi recebido com muito orgulho por toda a comunidade escolar. Como houve um envolvimento de todos, alunos, pais, professores e funcionários, este prémio foi sentido de forma muito próxima. Premeia o contributo de todos!
O que vos fez avançar com a candidatura a este prémio?
Achámos que um possível reconhecimento por parte da revista VIVER SAUDÁVEL iria ajudar-nos a continuar este projeto com mais energia e envolvimento de todos neste ano letivo 2023/2024.
Qual foi o segredo da vitória?
Penso que o facto deste projeto ter sido implementado em escolas do 2.º e 3.º ciclos foi um fator que terá tido impacto na decisão do júri. A maior parte dos projetos na área da alimentação e nutrição têm sido implementados em escolas do 1.º ciclo. Este tem sido sempre o foco assente na premissa de que devemos intervir nas faixas etárias mais novas. Este projeto mostrou que apesar de investirmos tanto nas refeições escolares e em projetos de educação alimentar no 1.º ciclo, a partir do 2.º ciclo começamos a perder, de forma significativa, alunos nos refeitórios. Agora que todos os refeitórios escolares são geridos pelos municípios, vai permitir ao nutricionista municipal implementar uma estratégia de intervenção abrangente, desde o pré-escolar até ao secundário.
Por onde passa o futuro do R23?
Benavente tem três refeitórios em escolas do 2.º e 3.º ciclos e secundária. Estamos agora a planear a implementação do R23 nestes refeitórios. Vamos seguir a mesma abordagem de cocriação, o que implica que a intervenção pode não ser exatamente a mesma. Também temos bem presente que o R23 não termina depois de ser implementado. É fundamental continuar a colaboração com a comunidade escolar no sentido de irmos melhorando o serviço para que continue a ser apelativo.
São necessários mais nutricionistas nas câmaras municipais?
Sim, sem dúvida. Todas as câmaras municipais deveriam ter nos seus quadros pelo menos um nutricionista. Na área da educação, um nutricionista consegue desenvolver trabalho importantíssimo nas áreas da alimentação coletiva e nutrição comunitária. São profissionais que constituem uma mais-valia para qualquer município.
Qual é a sua opinião sobre os Prémios VIVER SAUDÁVEL?
Os prémios VIVER SAUDÁVEL têm dois grandes méritos, possibilitar o reconhecimento de projetos perante os pares e impulsionar o sucesso de projetos que estão ainda a ser implementados. O reconhecimento através de um prémio deste tipo pode significar conseguir financiamento para os anos seguintes e, assim, conseguir um maior impacto.
Prémios VS 2023: R23 vence em Alimentação Coletiva e Restauração
ENTREVISTA PUBLICADA NA EDIÇÃO DE JANEIRO-FEVEREIRO DE 2024 DA REVISTA VIVER SAUDÁVEL.