Portugueses alteraram comportamentos alimentares com receio da transmissão da covid-19 pelos alimentos 1033

Numa entrevista dada à revista “Visão”, Maria João Gregório, diretora do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde (PNPAS) indicou que “a crença de que os alimentos são uma via de transmissão do novo coronavírus fez com que muita gente alterasse comportamentos alimentares, reduzindo o consumo de produtos frescos”.

A diretora do PNPAS começou por referir os resultados obtidos inquérito online e por telefone realizado pela DGS, com intuito de perceber como os portugueses se tinham comportado durante o confinamento.

“A grande maioria reporta ter alterado hábitos alimentares. Metade das pessoas acha que melhorou, consumindo mais hortícolas, mais fruta e bebendo mais água; a outra considera que piorou, aumentando a ingestão de snacks doces e refeições pré-cozinhadas”, indicou.

Para Maria João Gregório, “as pessoas tiveram mais tempo para planear e para confecionar, o que as fez melhorar os hábitos alimentares. Mas também houve stresse, incerteza e ansiedade, que motivou o padrão no sentido inverso”.

Nessa mesma altura, a DGS publicou o manual sobre alimentação, com o objetivo de “esclarecer a população em relação a algumas informações que circulavam nas redes sociais”, avança a diretora do PNPAS.

“A crença de que os alimentos são uma via de transmissão do novo coronavírus fez com que muita gente alterasse comportamentos alimentares, reduzindo o consumo de produtos frescos, como fruta e hortícolas. Esforçámo-nos também para ajudar a população a gerir melhor a alimentação e as compras, num contexto em que as idas ao supermercado estavam condicionadas”, e acrescentou que “uma alimentação adequada é muito importante para otimizar o nosso sistema imunitário”.

Questionada sobre quais são as maiores preocupações do PNPAS, Maria João Gregório falou do que tem sido feito nos últimos anos.

“Nos últimos anos, temos insistido na recolha de informação para fazer um diagnóstico acerca do que os portugueses comem e definir a melhor estratégia de intervenção. Também investimos na literacia, através da criação de um site, nutrimento.pt, com informações credíveis sobre alimentação. Percebemos, entretanto, que não podemos somente informar”.

Por isso têm trabalhado “modificando a realidade nas escolas e nos estabelecimentos de saúde. E ainda passámos a utilizar medidas fiscais que podem, por um lado, induzir a uma menor procura por parte do consumidor e, por outro, reformular os produtos, reduzindo aqueles nutrientes que gostaríamos que não estivessem presentes”.

Maria João Gregório indica que o PNPAS identificou os produtos mais problemáticos, e têm-se dedicado a eles.

“Identificámos aqueles que mais contribuem para a ingestão de açúcar e de sal, especialmente nos grupos mais jovens”, tais como “iogurtes, leites com chocolate, batatas fritas e outros snacks, néctares ou refrigerantes”.

Daí a DGS ter, junto das autoridades, sugerido a mudança de iva desses produtos.

“Espera-se que esta medida tenha impacto em três áreas: aumentando o preço, pode diminuir o consumo; por outro lado, como age sobre a reputação das bebidas e o mal que podem fazer à saúde, também se espera que afete o consumo; e, por último, funciona como um incentivo à reformulação. Foi nesta última área que tivemos mais resultados, com a redução da quantidade de açúcar em algumas das bebidas mais conhecidas, para poderem passar para o escalão mais baixo do imposto”, explicou.

Outra das áreas em que o PNPAS está a trabalhar, são os os programas de ajuda alimentar.

“Uma das áreas importantes para nós são os programas de ajuda alimentar, da responsabilidade do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Desde 2017 que conseguimos elaborar um cabaz nutricionalmente equilibrado, para distribuir mensalmente a estas famílias, que respeita as indicações da roda dos alimentos”, indicou.

Outro dos pontos referidos nesta entrevista, teve a ver com a baixa adesão dos portugueses à dieta mediterrânica, porque os alimentos que a compõem são mais caros do que outros.

“Essa justificação é dada especialmente quando se fala de peixe ou azeite, por comparação a outras gorduras. No que diz respeito às frutas, hortícolas e leguminosas existem outros obstáculos, como não gostar ou não saber confecionar. Mas considero que é possível ter um padrão mediterrânico a baixo custo. Aliás, ele surgiu de uma necessidade de nos adaptarmos à escassez de alimentos, como peixe e carne. Daí que as leguminosas tenham sido introduzidas como substituição”, explicou Maria João Gregório.

E é no cozinhar que a adesão a esta dieta apresenta maiores obstáculos.

“Sabemos que a baixa adesão se verifica essencialmente nas populações mais vulneráveis do ponto de vista sócio-económico. No entanto, deixámos de ter a passagem de conhecimento de mãe para filha, ao longo de gerações. O estilo de vida também condiciona muito o tempo para nos dedicarmos à cozinha, além de que grande parte dos nossos jovens tem poucas competências nesta área”, explicou.

Esta dificuldade aparece também na hora de comprar os alimentos, e em ler os rótulos.

“Cerca de 40% da população não consegue, mas em grupos com menos escolaridade, o valor cresce para 60 por cento. Em alguns casos, a indústria já acrescenta informação que nos ajuda a descodificar o que é legalmente obrigatório de constar nas embalagens”, concluiu a diretora do PNPAS.