Políticas em Portugal negligenciam impacto das alterações climáticas na saúde, diz relatório 108

As políticas de saúde em Portugal negligenciam os impactos das alterações climáticas, poluição e perda de biodiversidade na saúde da população, com as estruturas do setor sem preparação para enfrentar fenómenos climáticos extremos e novas pandemias, alerta um relatório divulgado hoje.

O primeiro Relatório Saúde e Ambiente 2024, produzido pelo Observatório Português da Saúde e Ambiente (OPSA), criado pelo Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), adverte que, embora os fatores ambientais que afetam a saúde humana tenham um impacto cada vez maior, “as políticas de saúde em Portugal continuam quase totalmente divorciadas destas questões”, cita a Lusa.

“Os mecanismos de monitorização dos fatores ambientais determinantes da saúde são quase inexistentes, as estruturas de saúde não estão preparadas para prevenir ou reagir atempadamente a fenómenos extremos de origem climática ou ao surgimento de uma nova pandemia”, realça o documento, que contou com a contribuição de quase 100 especialistas e de instituições académicas e de investigação nacionais.

Em declarações à agência Lusa, o presidente do CPSA, Luís Campos, afirmou que, “apesar de já se saber há duas décadas que, praticamente, há uma ameaça de pandemia por ano e que o surgimento de uma nova é inevitável, além do crescente risco de catástrofes climáticas, falta resiliência ao sistema de saúde” para responder a novas crises.

Luís Campos apontou que esta situação se deve à ausência de um planeamento de integração entre o Serviço Nacional de Saúde e o setor privado e à “instabilidade que existe neste momento a nível do SNS em termos de modelo organizativo, pela falta de integração de cuidados”.

“Apesar de ter havido a fusão dos cuidados primários com os hospitais [no âmbito das Unidades Locais de Saúde], os cuidados continuados e a assistência social ficaram de fora e cada vez é mais difícil separar a saúde dos aspetos sociais”, disse o presidente do CPSA, realçando que os serviços de medicina “estão transformados em centros de solução dos problemas sociais dos doentes”.

Neste momento, 25% dos doentes internados em medicina ficam internados por motivos sociais ou à espera de vaga na rede de cuidados continuados, observou.

Outros fatores que reduzem a resiliência do sistema de saúde são, segundo o relatório, “a persistência de um modelo hospitalar verticalizado”, a sobrecarga das urgências com doentes não urgentes, a antiguidade e inadaptação de alguns hospitais e a insuficiência de camas em relação à média europeia.

Luís Campos também identificou como “problema grave” o “abandono da Medicina Interna”, especialidade que tratou 80% dos doentes internados durante a pandemia de covid-19, mas que no último concurso, viu metade das vagas ficaram por ocupar, defendendo ser necessária uma “discriminação positiva” para esta especialidade poder atrair recém-licenciados.

Para Luís Campos, a resposta a estes desafios exige o envolvimento de todos, com particular responsabilidade para os médicos.

“Sabendo que os fatores ambientais são responsáveis por um em cada quatro mortos a nível global, é nosso dever ético envolvermo-nos nesta luta”, defendeu.

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“Temos que usar a nossa voz para dizer que não estamos perante um problema ambientalista ou de jovens radicais, mas perante o desafio mais importante e mais complexo que temos no futuro”, afirmou, adiantando que a população confia nos médicos.

O relatório, com cerca de 200 páginas, que é apresentado hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, também alerta que os profissionais de saúde não recebem formação específica sobre os efeitos do ambiente na saúde e que, “tanto a legislação em vigor como a prática dos serviços de saúde descura a sua pegada ambiental, contribuindo assim para as mortes e para as doenças que tem como missão combater”.

Apesar de a área da saúde ser responsável por 4,8% das emissões de gases com efeito de estufa em Portugal, a redução deste impacto ambiental “não é uma prioridade política”, disse o coordenador científico do relatório, apelando para a adoção de boas práticas de sustentabilidade ambiental no setor.

“A prevenção, a qualidade, a medicina de proximidade, a telemedicina, que diminuem a carga da doença (…) não são uma preocupação e inclusivamente existem leis obsoletas, como a lei dos resíduos, que torna mais difícil a implementação de uma política de sustentabilidade ambiental no setor da saúde”, lamentou.

Em Portugal, segundo dados de 2021, estima-se que 8% das mortes e 4% do total de anos perdidos por incapacidade estiveram relacionadas com a poluição do ar, temperaturas extremas e outros aspetos ambientais.