Pode uma restrição calórica diária fazer mais pela saúde cardiovascular de indivíduos saudáveis ou pré-obesos? 4977

A doença cardiovascular (DCV) continua a ser uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo. A perda de peso promovida por uma restrição calórica tem sido amplamente incentivada, nas orientações emanadas pelas sociedades científicas internacionais, para a redução do risco de DCV em indivíduos de risco (obesos).

Mas será a restrição calórica eficaz na redução do risco cardiovascular a longo prazo em indivíduos saudáveis ou pré-obesos? Um estudo recentemente publicado pelo The Lancet Diabetes & Endocrinology, o primeiro de intervenção (restrição calórica) a longo prazo, esclarece que sim.

Neste estudo controlado e randomizado – Comprehensive Assessment of Long-term Effects of Reducing Intake of Energy (CALERIE) – um total de 218 homens e mulheres jovens e de meia-idade (21-50 anos), saudáveis, não-obesos (índice de massa corporal de 22,0-27,9 kg/m2), foram aleatoriamente designados a seguir uma dieta com restrição calórica (restrição de 25%) ou uma dieta controlo (dieta saudável ad libitum), durante dois anos.

Os resultados do estudo mostraram que uma restrição calórica média diária de 12% – aproximadamente menos 300 kcal por dia – se relacionou com 10% de perda de peso sustentada ao longo do tempo e, mais relevante ainda, mais de metade do peso perdido foi por perda de massa gorda. Mas os resultados não se limitaram ao peso perdido, um resultado na verdade espectável. A restrição calórica levou a melhorias significativas em múltiplos fatores de risco cardiometabólico, incluindo redução dos níveis de colesterol LDL, redução na pressão arterial, melhoria na sensibilidade à insulina e redução da inflamação (proteína C-reativa); melhorias na qualidade do sono e não foi reportado mais craving alimentar devido à fome. Na verdade, o peso perdido explicava apenas 25% das melhorias observadas nos marcadores de risco. Assim, a restrição calórica parece trazer benefícios para a saúde para além daqueles normalmente associados à perda de peso, mesmo em indivíduos saudáveis.

E como alcançar uma restrição calórica de 300 kcal por dia? Um estudo recente, publicado na revista Cell Metabolism, verificou que os indivíduos ingerem mais calorias (≈ 500 kcal) quando expostos a uma dieta à base de alimentos ultra-processados em comparação com uma dieta composta por alimentos não processados.

Embora as dietas ultra-processadas e não processadas fornecessem a mesma quantidade de calorias e macronutrientes, açúcar, gordura, fibra e sal, os indivíduos consumiam uma maior quantidade de alimentos e consequentemente mais calorias quando expostos à dieta ultra-processada. Naturalmente, estes indivíduos ganharam mais peso durante as duas semanas em que estiveram expostos à dieta ultra-processada (aproximadamente 1 kg).

Este foi o primeiro ensaio clínico a estabelecer uma relação de causalidade entre o consumo de alimentos ultra-processados e a obesidade. Assim, limitar o consumo de alimentos ultra-processados como por exemplo uma fatia de pizza, um folhado de chocolate, dois refrigerantes ou um pacote de batatas fritas, pode ser uma estratégia efetiva para limitar a ingestão calórica, reduzir o ganho de peso e o risco cardiovascular. No entanto, políticas alimentares que desencorajem o consumo de alimentos ultra-processados devem ser sensíveis ao tempo, capacidade, custos e esforços necessários para preparar refeições de alimentos minimamente processados ​​– recursos que muitas vezes estão em falta para os indivíduos de vulnerabilidade socioeconómica.

Mas o que pretendemos realçar é a integração da restrição calórica moderada (300 kcal por dia) num estilo de vida saudável. Esta restrição pode trazer benefícios adicionais para a saúde por melhorar o fenótipo metabólico a longo prazo, travando a carga de doença metabólica que se acumula ao longo da vida.

 

Diana Teixeira e Cláudia Marques

Professoras de Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, UNL; Investigadoras do grupo ProNutri, CINTESIS