O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) considera que a Ordem dos Médicos (OM) não pode aprovar de forma unilateral e vinculativa o regulamento para constituição das equipas nos serviços de urgência, por abranger matérias que exorbitam as suas atribuições.
Num parecer pedido pelo Ministério da Saúde publicado esta quinta-feira em Diário da República, o Conselho Consultivo da PGR diz que o projeto de regulamento “versa sobre especialidades e competências médicas, motivo pelo qual a sua eficácia jurídica se encontra condicionada” pela aprovação da ministra da Saúde, cita a Lusa.
Em outubro do ano passado, a Ordem dos Médicos (OM) fez publicar em Diário da República (DR), para efeitos de consulta pública, uma proposta de regulamento para “Constituição as Equipas Médicas nos Serviços de Urgência”. A proposta apontava a definição da constituição das equipas de urgência médicas das diferentes especialidades e tipos de urgência, fixando, em especial, o número mínimo de médicos especialistas e internos em cada equipa e o grau de disponibilidade de cada elemento da equipa, bem como as condições da presença de internos nas escalas e do exercício de funções de chefe de equipa.
Por considerar a proposta ilegal, e uma vez que a OM discordava deste entendimento, o Ministério da Saúde solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da PGR. No parecer o Conselho Consultivo diz que o projeto de regulamento “versa sobre especialidades e competências médicas, motivo pelo qual a sua eficácia jurídica se encontra condicionada pela aprovação da ministra da Saúde”.
Refere ainda que a ministra da Saúde pode recusar a aprovação do regulamento “depois de verificar que as suas normas se revelam ilegais, como, em concreto, sucede”. A Ordem dos Médicos, sublinha, é uma associação pública profissional que se encontra “sujeita ao controlo tutelar de legalidade previsto no artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, a exercer pela ministra da Saúde, em conformidade com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos”.
A Conselho Consultivo da PGR considera que o regulamento, a ser definitivamente aprovado, “incorre em incompetência absoluta pois estabelece parâmetros quantitativos e qualitativos que devem presidir à composição das equipas médicas nos serviços de urgência, repartidas por 28 especialidades, determina o conteúdo funcional do chefe de equipa e define os requisitos a serem cumpridos para os médicos em internato de formação especializada viabilizarem a operacionalidade de tais equipas, tudo isto configurando assuntos que exorbitam das atribuições da Ordem dos Médicos”
O facto de estar descrito nas atribuições da OM a tarefa de “regular (…) o exercício da profissão de médico”, “não é suficiente para habilitar a OM a definir, de modo unilateral e vinculativo, critérios de organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde”, considera o parecer, acrescentando que a aprovação do regulamento pela Ordem ”invadiria atribuições próprias do Estado e das entidades públicas empresariais que administram os hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local do Serviço Nacional de Saúde”.
Refere ainda que a constituição das equipas médicas nos serviços de urgência do SNS é definida pelo regulamento interno de cada unidade de saúde, a aprovar pelo conselho de administração do hospital e a homologar pela ministra da Saúde, “no exercício dos seus poderes de superintendência”.
“Além do regulamento interno de cada serviço de urgência, a constituição das equipas médicas no SNS é objeto do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 06 de março, e dos regulamentos que o executam, todos eles veiculando uma clara preferência por equipas multidisciplinares de profissionais médicos, em dedicação privilegiada aos serviços de urgência”, considera ainda o Conselho Consultivo da PGR.
Pelo contrário, explica, a proposta de regulamento da Ordem dos Médicos visa criar equipas monodisciplinares, “segundo várias proporções entre médicos especialistas e internos, em presença permanente ou de prevenção, segundo critérios demográficos, número de camas e níveis de responsabilidade de cada serviço de urgência”.
“Como tal, as suas disposições infringem o Despacho Normativo n.º 11/2002, de 06 de março, e o Despacho n.º 10390/2014, do SEAS, de 25 de julho, incorrendo em violação de lei”, diz. Segundo o parecer, estas disposições violam também o despacho de dezembro de 2006 em que se prevê que o modo de participação da OM na constituição das equipas médicas nos serviços de urgência consiste “na indicação dos níveis assistenciais que tem por convenientes ou desejáveis, o que corresponde ao papel dos regulamentos não jurídicos”, como são as diretivas, recomendações, normas de conduta ou manuais de boas práticas.
“O desenvolvimento de princípios e regras deontológicos não pode servir para inculcar entre os profissionais médicos – designadamente, diretores clínicos e diretores de serviços de urgência – a convicção de que o trabalho em equipa multidisciplinar, prestado segundo o modelo atualmente praticado, constitui exercício da profissão eticamente reprovável” considera, acrescentando: “são, simplesmente, normas técnicas, parâmetros quantitativos e qualitativos, cuja aplicação pertence à administração hospitalar e, não, aos médicos”.
O dever deontológico de exercer a profissão “em conformidade com as ‘leges artis’ diz respeito ao ato médico”, lembra a PGR, sublinhando que compete a cada profissional prestar os melhores cuidados ao seu alcance e “cumprir as ordens e instruções do superior hierárquico que não cerceiem a sua autonomia ética e técnico-científica (..) nem impliquem a prática de um crime”.
“Por isso, a responsabilidade de cada médico é individualmente apreciada, ao prestar serviço em equipas multidisciplinares: forma de organização do trabalho médico que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena”, frisa o parecer, que considera que, a ser aprovado o regulamento, ”as suas normas devem considerar-se nulas”.