Pedro Pita Barros: “Não são necessários mais milhões no OE da Saúde. O que é preciso é saber gerir adequadamente” 705

No ano em que o setor da saúde recebe a maior verba de sempre, um total de 13 578 milhões de euros, mais 700 milhões que o ano passado, o Diário de Noticias (DN) falou com Pedro Pita Barros, especialista em economia da Saúde e professor da Nova School of Business and Economics, que defendeu que “não são necessários mais milhões no OE da Saúde. O que é preciso é saber gerir adequadamente”.

Para Pedro Pita Barros, este valor, tendo em conta das dívidas existes no Serviço Nacional de Saúde (SNS), “permite pensar que talvez se consiga evitar essa derrapagem permanente. Não será para fazer muito mais, mas será para fazer melhor”.

“O “robustecimento” do SNS não é apenas financeiro. Reforçar a gestão que é feita é igualmente importante, até porque se funcionar melhor acaba por precisar de menos euros. Posso dar duas ideias rápidas para explicar, e que até nem são particularmente novas: primeiro, dar novo ímpeto aos cuidados de saúde primários – que devem ter as pessoas e os equipamentos necessários para resolver a maior parte das situações de doença pouco grave. Isto implica não só dar novo ímpeto às USF modelo B (as que têm levado a maior satisfação quer dos cidadãos quer dos vários profissionais de saúde), como colocar novos equipamentos (que está previsto acontecer) e também ousar criar novos modelos de organização que permitam reduzir rapidamente o problema de uma parte substancial da população não ser seguida regularmente por um médico de família (ou por uma equipa de família). A segunda ideia é reforçar a autonomia de gestão dos hospitais, de forma seletiva – permitir maior autonomia aos que mostram capacidade de a usar bem, e não a todos, com regras claras de intervenção e alteração da gestão nos hospitais que ficam aquém do que é legítimo esperar deles. É preciso não esquecer que uma gestão menos boa acaba por se refletir na capacidade de dar resposta às necessidades dos cidadãos”, explica o economista.

No entanto, Pedro Pita Barros, tem algumas dúvidas no que respeita à redução das dívidas por parte do SNS.

“O valor dos pagamentos em atraso no final de 2021 foi o mais baixo desde que há esta informação publicamente disponível, cerca de 110 milhões de euros, e resultou de um reforço financeiro importante nessa altura. Entretanto, aumentou para 309 milhões de euros em três meses (março de 2022), ou seja, estes pagamentos em atraso cresceram 66 milhões de euros por mês em média, de janeiro a março de 2022”, indicou o economista, acrescentando que “não havendo surpresas em 2022, como uma nova vaga pandémica que volte a mobilizar toda a atenção, ou uma saída generalizada de profissionais de saúde do SNS, será possível continuar essa recuperação”.

No OE está prevista uma despesa total de 5200 milhões de euros (mais 200 milhões do que no ano anterior), para a contratação e fixação de profissionais. Será a suficiente?

Pedro Pita Barros acredita que o “problema dos profissionais não é apenas remuneratório. O Governo até tem lançado concursos de recrutamento, em que contrata alguns, mas não todos os profissionais que pretende. Só que depois, com frequência, temos mais saídas. Há uma incapacidade do SNS ser atrativo para o desenvolvimento profissional e conciliação com vida pessoal, além da parte remuneratório. Os profissionais têm que ver no SNS uma aposta de longo prazo. O SNS tem que ver os profissionais de saúde como uma aposta de longo prazo”.

E apesar de o novo orçamento ter incluída uma medida de dedicação plena, para o economista não será suficiente para que os profissionais de saúde se mantenham no SNS.

“Se for visto apenas como uma forma de limitar o trabalho de profissionais do SNS em entidades privadas, poderá haver surpresas com as escolhas que venham a ser feitas. Se for visto numa ótica de criar formas mais flexíveis na contratação de profissionais de saúde, será provavelmente menos atrativa do que um leque mais amplo de possibilidades colocado à disposição dos profissionais de saúde. Há uma diferença entre surgir como instrumento de controlo (a primeira possibilidade) ou como instrumento de flexibilidade (a segunda visão)”, explica ao DN.

Questionado sobre se o valor atribuído ao SNS vai permitir dar maior capacidade às unidades de saúde de cuidados primários para aumentar o número de consultas em algumas áreas, nomeadamente na da saúde mental, aumentar o número de rastreios na área oncológica e o número de exames de diagnóstico e criar mais unidades de saúde familiar, o economista diz que é difícil saber pois “não existe um instrumento chamado “Orçamento do SNS”, onde seja descrito onde serão aplicadas as verbas que estão na linha do Orçamento do Estado que é a transferência para o SNS, não é possível responder de forma clara”.

“É certo que a criação de mais unidades de saúde familiar, de modelo B, irá requerer mais verbas, mas antecipo que seja menos do que tem sido a derrapagem que resulta nos pagamentos em atraso. Preocupa-me mais a capacidade de decisão e de execução por parte dos vários organismos do SNS que têm a obrigação de “fazer acontecer” do que as verbas que o SNS irá absorver. Ou seja, não considero que sejam necessários mais milhões no OE da Saúde, o que é preciso é saber gerir adequadamente”, explica Pedro Pita Barros.

Questionado sobre a transformação digital, que é uma prioridade do Governo, o economista defende que é uma boa aposta, “e não apenas numa visão de aliviar custos. São instrumentos que permitem também uma melhor assistência às pessoas, e até com melhores resultados para elas. É uma forma de se pode fazer melhor e com menos custos”.

Relativamente à criação de uma Direção Executiva para o SNS, medida que integra o novo Estatuto do SNS, Pedro Pita Barros não acredita que resolva o caos do SNS.

“Se a Direção Executiva para o SNS seguir o formato que foi divulgado no Outono de 2021, com a colocação em consulta pública de uma proposta, só virá aumentar a confusão de responsabilidades dentro do SNS. Servirá sobretudo de “escudo de defesa” para quem estiver à frente do Ministério da Saúde. Não terá capacidade efetiva de gestão e coordenação dentro do SNS. Se houver a capacidade de optar por um modelo de Direção Executiva diferente, com real poder de decisão, e capacidade de execução, é certamente uma boa possibilidade de melhorar a gestão do SNS. Receio que venha a ser uma boa ideia com uma má aplicação”, explicou.

Outro dos assuntos muito falados sobre o OE, tem a ver com o fim das taxas moderadoras para todos os atos à exceção de duas situações, como idas às urgências sem referenciação. Para o economista, “as taxas moderadoras que serão agora eliminadas não têm grande expressão quantitativa, pelo que não vão alterar nada de essencial. Ainda antes desta eliminação de taxas moderadoras, como a maioria da população tinha isenção por um dos vários motivos possíveis, o efeito de moderação ou barreira ao uso desnecessário era muito diluído. Sinal disso mesmo é o pouco peso que as taxas moderadoras têm nas despesas que os utentes suportam quando contactam os serviços de saúde, pelo que este passo adicional tem pouca expressão económica e no uso dos serviços, sendo mais um sinal político”.

Pedro Pita Barros reforça que “não são mais milhões de euros que fazem falta à Saúde, mas sim uma capacidade das unidades do SNS gerirem de forma adequada, de conseguirem dar o apoio às populações que é devido, da melhor forma possível. Isto significa que têm de ter uma gestão que assegure a permanência dos profissionais de saúde, que existam recursos adequados ao que as populações que servem precisam. As propostas da oposição, tanto quanto conseguir perceber, não têm soluções claras para conseguir atribuir a cada residente um médico de família que o siga, para o estancar do processo de acumulação de pagamentos em atraso, e para assegurar o recrutamento e retenção dos profissionais de saúde que são necessários. Claro que vão dizer que tudo isto é importante, mas como fazer, normalmente, não é descrito de forma a que possa ser aplicado”.