Pão pão, Queijo queijo 684

Lembro-me bem da primeira vez que entrei num supermercado quando regressei a África no início de 2012, para desenvolver programas de combate à desnutrição crónica destinados a crianças em risco. Sempre que estou fora, uma das coisas que mais aprecio fazer é conhecer o que comem as pessoas e como compram os seus alimentos. Gosto de caminhar pelos mercados tradicionais, com o seu colorido de frutas e verduras locais, de sentir a panóplia de odores no ar e o aroma dos alimentos que os vendedores nos dão a provar, e aprecio também o som ambiente, mistura de pregões e clientes que regateiam um desconto.

Mas também gosto de entrar num supermercado (onde os há…) e percorrer os seus corredores com a arrumação que nos é familiar, em busca de produtos locais ou das marcas globais que conhecemos desde a nossa infância. E foi precisamente num supermercado, já de regresso a Maputo, que dei por mim a comprar iogurtes depois de quase duas semanas a comer apenas o que comiam as equipas locais. Não havendo muito por onde escolher, optei por uns simples iogurtes de aromas de uma conhecida multinacional – se a ideia era matar saudades de sabores familiares, porquê arriscar mais?

Mas chegado o momento de abrir o iogurte, fui surpreendido por uma vibrante cor rosa e um intenso odor a aroma de morango! Olhei novamente para o rótulo e confirmei que era um iogurte de aroma. Habituado às expectativas dos consumidores europeus, esperava um “simples” iogurte branco, de aroma ligeiro e sabor delicado… sensações que nos remetem para conceitos como “natural” ou “sem corantes nem conservantes”. Porém, para muitos consumidores por esse mundo fora, se um iogurte refere “morango” no rótulo, tem de ter cor de morango, cheiro de morango e sabor de morango – e quanto mais intenso, melhor! Já depois da primeira colherada, estranhei o sabor mais doce que o habitual e uma vista de olhos pelos ingredientes revelou adição de açúcar, corantes, aromas e conservantes. Também tinha adição de vitaminas e o prazo de validade era surpreendentemente superior ao que esperava!

Enquanto comia aquele iogurte, refleti no facto de os iogurtes não fazerem parte dos hábitos alimentares de muitas regiões do planeta. Ali, aquele iogurte era quase um produto de luxo pois a necessidade de conservação em frio e os prazos de validade curtos tornam estes produtos dispendiosos e pouco adaptados à realidade da maioria das pessoas. De facto, apesar de vivermos cada vez mais numa “aldeia global”, as necessidades e expectativas dos consumidores ainda variam muito de região para região. Se na Europa e América do Norte vivemos uma época de escrutínio às calorias (muitas vezes sacrificando o prazer de comer e perseguindo inquisitoriamente certos alimentos), em muitas outras zonas do mundo as prioridades são outras – segurança e higiene dos alimentos, prazos de validade alargados, facilidade de conservação ou maior densidade de nutrientes.

E assim, a estranheza e repulsa inicial por aquele iogurte doce e colorido deu lugar à gratidão de reconhecer que vivemos numa das zonas mais prósperas do planeta. Onde, apesar de todas as críticas que podemos fazer àquilo que comemos, temos acesso a uma variedade enorme de alimentos e a possibilidade de escolher o que melhor se adapta às nossas necessidades ou preferências. E onde apesar da “crise” em que aparentemente vivemos, continua a ser possível comer de forma saudável, segura e económica, como bem demonstrou a APN aqui.

É por tudo isto que, antes de cair na tentação de criticar um alimento, tento sempre lembrar-me que o que nos parece mau pode ser bom ou útil a tanta gente. Como aquele iogurte em África.

Rodrigo Abreu,
Nutricionista