Uma equação incompleta 1610

Estou a viver temporariamente numa casa alugada, numa zona periférica de Lisboa. É um bairro de prédios como tantos outros, com algumas praças e jardins. O apartamento onde estou, tem a particularidade de estar voltado para uma praça pedonal arborizada, de um lado, e do outro, para dois campos de jogos. Desde que aqui estou, posso, literalmente, contar pelos dedos de uma mão as vezes que vi alguém praticar algum tipo de atividade física nestas infraestruturas. Não há crianças a saltar à corda ou a jogar à apanhada na praceta, e nos campos de jogos, mesmo nos fins de semana com bom tempo, não há ninguém a jogar. Por duas ou três vezes, vi um grupo de 3 amigos a jogar basquete junto de uma das tabelas existentes.

Esta não é uma realidade isolada. Pelo contrário, aquilo a que assisto neste bairro espelha bem as estatísticas nacionais sobre os níveis de (in)atividade física da nossa população. Apenas 5% dos portugueses inquiridos disseram praticar regularmente atividade física, como andar de bicicleta para deslocações, dançar ou fazer jardinagem, valor inferior à média europeia (14%) – dados da DGS-PNPAF divulgados já este ano. Pior ainda, o número de portugueses com 15 ou mais anos que “raramente” ou “nunca” praticaram exercício ou desporto aumentou nos últimos anos, passando de 66% em 2009 para 74% em 2017. Estamos cada vez mais sedentários, sendo que a maioria das pessoas refere a “falta de tempo” como principal razão. Segue-se a “falta de interesse ou motivação” (33%), havendo ainda 13% que referem que a atividade física é “demasiado dispendiosa”.

Estes dados são muito relevantes para os Nutricionistas. Como se sabe, a perda de peso (e sua manutenção no longo prazo) é o resultado de uma equação entre o que entra (a ingestão calórica) e o que sai (dispêndio energético, incluindo a atividade física). Vários trabalhos [1, 2] têm demonstrado que nos países mais desenvolvidos, a ingestão calórica têm reduzido ou estabilizado nos últimos anos. No entanto, a redução das calorias gastas em atividades de lazer ao longo das últimas décadas, tem sido ainda maior [3], o que desfavorece o balanço energético e resulta no aumento das taxas de obesidade. Como devem então lidar os Nutricionistas com este cenário, em que estamos perante populações cada vez mais sedentárias? Restringimos ainda mais a ingestão calórica? Estaremos condenados ao fracasso? Não havendo uma resposta fácil, a solução passará sem dúvida pelas abordagens multidisciplinares. O exemplo recente da prescrição de exercício físico no SNS pode apontar o caminho. A interação entre Nutricionistas, especialistas em atividade física e profissionais qualificados para abordar os aspetos emocionais e motivacionais, é uma inevitabilidade num futuro que não pode estar muito distante. A sistematização destas abordagens multidisciplinares, de modo a produzirem resultados válidos e replicáveis, garantindo a segurança e saúde da população, é um dos grandes desafios que nos espera. Afinal, de que nos valerá fazer planos alimentares ótimos, se o resto da equação estiver incompleta?

Por Rodrigo Abreu

Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados

Fundador do Atelier de Nutrição®

Bibliografia

[1] Ford E., Dietz W., Am J Clin Nutr. 2013 Apr; 97(4): 848–853

[2] FAO STAT, 2018 http://www.fao.org/faostat/en/#country/174

[3] Church TS. et al., PLoS One. 2011;6(5):e19657