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Há uns anos, num encontro de investigadores, ouvi uma anedota que nunca esquecerei. Um cientista coloca uma rã numa bandeja e ordena-lhe que salte: “salta rã!”. A rã, assustada, salta. Depois, o cientista corta uma das patas à rã e ordena novamente: “salta rã!”. A custo, a rã salta. O cientista continua a cortar patas à rã, uma a uma, ordenando-lhe que salte. Cada vez com mais dificuldade, a rã vai saltando. Mas quando já não tem patas, apesar das ordens do cientista, a rã não salta. Conclusão? A rã sem patas não ouve. Sendo uma piada de gosto discutível, esta anedota deve, no entanto, alertar-nos para a forma como interpretamos dados científicos. Com trabalhos a ser publicados todos os dias em quantidades nunca vistas, torna-se cada vez mais difícil acompanhar o ritmo da ciência. Mas também é, cada vez mais, necessário desenvolver um apurado sentido crítico para interpretar esta avalanche de informação. De facto, é questionável se a explosão de estudos em torno da relação entre aquilo que comemos e a nossa saúde se tem traduzido em mais (e melhor!) conhecimento sobre como nos devemos alimentar para prevenir ou reverter doenças como a obesidade ou a diabetes. Há vários fatores que devem merecer a nossa atenção. O conflito de interesses que pode existir entre quem faz produção científica e quem financia essa atividade ou beneficia das suas conclusões; Estudos demasiado simplistas, com amostras pequenas ou desvios grandes nos resultados; Ou ainda, o viés que pode ser introduzido de forma inadvertida pelos próprios investigadores, reflexo das suas convicções ou preferências. De facto, discute-se cada vez mais o papel das preferências pessoais do investigador na forma como conduz o seu trabalho. Se eu for vegan, pode isso influenciar trabalhos que faça na avaliação do risco cardiovascular de diferentes tipos de dieta? E se não gostar de praticar exercício, poderá isso fazer-me minimizar ou relativizar o impacto da inatividade física? É expectável que possa haver sempre alguma relação entre as nossas próprias preferências e a produção ou interpretação de dados científicos. Afinal, somos humanos, temos as nossas emoções e, mesmo guiados pela razão, podemos cometer erros. Talvez por isso, há já quem questione se os autores devem declarar as suas preferências em relação aos alimentos ou doenças que estudam… Mas se este cenário parece assustador e capaz de nos levar a um beco sem saída (afinal, qualquer um de nós é influenciável e isso pode interferir no nosso trabalho), as coisas podem ficar ainda mais complicadas! Os avanços nos sistemas de inteligência artificial (IA) demonstram capacidades únicas na análise de grandes quantidades de dados. Vários trabalhos já demonstraram que a IA pode ser capaz de melhores resultados que cientistas humanos. Mas, estando estes sistemas dependentes dos algoritmos introduzidos, poderão eliminar totalmente os vieses? Ou, simplesmente, irão criar novos? Talvez a grande conclusão seja a de que a incerteza e o erro fazem parte do processo científico. E que só a nossa reserva e sentido crítico em relação aos dados que temos pela frente, nos permitirão decisões mais acertadas. Sem essa capacidade de análise, arriscamo-nos a dizer que as rãs sem patas não ouvem…
Rodrigo Abreu, |