Foi há pouco tempo, numa festa de aniversário, dessas que os Pais de hoje em dia tão bem conhecem: um espaço alugado, miúdos a pular em insufláveis e, no fim, uma mesa cheia de guloseimas, batatas fritas e sumos a rodear o bolo de aniversário. Às tantas, uma menina mais gordinha, vinda de uma hora a pular e saltar, aproxima-se da mesa e reúne na mão alguns doces. Em menos de nada, um copo de sumo na outra mão. Tinha fome, claro, e sede também. Comeu o que havia, como muito provavelmente qualquer um de nós faria, e como fizeram os amigos que se seguiram, também eles esbaforidos e esfomeados. Mas a gordinha estava debaixo de olho. Ao lado, duas mães (presumo), pareciam reparar em tudo o que a menina levava à boca. E, talvez por me estar a fazer de distraído, não tardou muito até começar a ouvir os primeiros comentários. “Não admira que esteja gorda…”. “Coitadinha, assim não vai lá”. Àquelas duas mulheres parecia ser indiferente que todas as crianças naquela festa estivessem a comer o mesmo. Também não lhes importava que a menina tivesse estado uma hora a “queimar calorias”. E por fim, nem sequer contemplaram que se tratava de um dia de festa e que, como tal, a menina se pudesse permitir um ou outro excesso. Senti-me tentado a entrar na conversa daquelas duas mães, mas também sei que há pessoas que apenas gostam de falar – poderia ser do que a menina estava a comer ou do que algum menino trouxesse vestido. No entanto, a situação deixou-me pensativo por uns tempos, em particular no meu papel como nutricionista. De formusura, a gordura passou a estigma. O discurso dominante recrimina o excesso de peso, e a sociedade em geral parece ter o dedo apontado a tudo quanto se possa relacionar com a obesidade. Profissionais de saúde, jornalistas e agora até os políticos, dizem-nos para não engordar. Comer gorduras e açúcar é mau. Temos de fazer exercício e ser ativos. Se engordarmos vamos ficar doentes e viver menos tempo. Ultimamente, até já nos dizem que ser gordo é custar mais dinheiro ao Estado… Mesmo concordando com tudo isto, devemos considerar a forma como a nossa preocupação com a obesidade se manifesta, sob pena de, em vez de resolver o problema, criar outros. Os nutricionistas em particular, devem apurar a sensibilidade para tratar o tema. Por exemplo, como se lida com uma criança obesa? Sabemos as consequências do aumento de peso em tenra idade, mas vamos assusta-la com isso? Assustamos os pais? Ralhamos? Como se molda a mente de uma criança “em dieta”, com as restrições que terá de por em prática ao longo de meses ou anos e com os comentários de adultos e colegas? São muitas questões e não há seguramente uma resposta fácil. Sendo a nossa função ajudar quem precisa de perder peso, temos de ser os primeiros a afastar preconceitos em relação aos “gordos”. É importante considerarmos que prescrever planos alimentares muito restritivos, pode tornar difícil o seu cumprimento e originar sentimentos de culpa. Não podemos esquecer que o nosso discurso contribui para definir padrões do que é aceitável comer, e que isso tem implicação na forma como toda a sociedade olha para aquilo que os “gordos” comem. No fundo, precisamos garantir que toda esta preocupação generalizada com a Nutrição se torna em algo positivo e parece-me que o caminho passa por pôr mais enfoque nas pessoas e não tanto no seu peso ou nos alimentos que comem. Afinal, não concordamos todos que mesmo uma menina gordinha poderá comer umas guloseimas numa festa de aniversário? Rodrigo Abreu, |