Na capa da “TIME” 920

Quando era miúdo, adorava folhear as revistas que os meus pais assinavam. Algumas eram em inglês e não percebia o que tinham escrito, mas lembro-me da atenção que me despertou uma capa da revista “TIME”. Tinha um prato com dois ovos estrelados que pareciam olhos e uma fatia de bacon curvada para baixo em forma de boca, a desenhar uma cara triste. Apesar de em 1984 ainda não haver emoticons, percebi que ovos e bacon deviam ser uma coisa má… Quinze anos mais tarde, quando já estava a terminar a licenciatura, a “TIME” reeditou a capa. Mas desta vez os dois ovos estrelados que desenhavam os olhos no prato vinham acompanhados de uma fatia de meloa, em forma de boca sorridente. O que mudou entre 1984 e 1995, e que podemos aprender com isso?

Em primeiro lugar, é óbvio que o ritmo a que se produz investigação científica tem vindo a crescer de forma imparável, década após década. Só na MEDLINE, foram mais de 800.000 novas publicações no último ano, das quais quase 34.000 relacionadas com nutrição! Seguir e processar toda esta informação é uma tarefa gigantesca. Mas interpretá-la e adaptá-la de forma correta à nossa prática diária é porventura ainda mais difícil. Não se pode generalizar os dados de um determinado estudo, por muito bom que seja, porque pode simplesmente não se adaptar à realidade com que lidamos. Convém não esquecer que a evidência não é em si uma solução, mas sim uma ferramenta de apoio à tomada de decisão. Sejam as decisões que temos de tomar na prática clínica individualizada, sejam aquelas necessárias à definição de políticas nutricionais de saúde pública.

Por outro lado, sendo necessário analisar e interpretar corretamente uma tão vasta quantidade de informação, trata-se de uma tarefa que deve ser entregue a especialistas. Redes como a Cochrane (da qual existe um ramo português) dedicam-se precisamente a isto. É por isso fundamental que sejamos os primeiros a valorizar este tipo de fontes de informação. Usando-as para melhorar a nossa prática, mas também partilhando e discutindo os seus outputs. Talvez uma pergunta simples que podemos fazer a nós mesmos é quanto tempo por mês dedicamos a ler informação de qualidade relevante.

Por fim, é interessante pensar que na altura das capas da “TIME”, ainda não existiam redes sociais. Os media tradicionais eram as nossas fontes de informação, quase em exclusivo. Esse mundo ficou para trás e é por vezes aflitivo ver a pouca relevância que as fontes fidedignas de informação têm em comparação com alguns dos chamados influenciadores dos dias de hoje. Basta, por exemplo, comparar o número de likes ou views de páginas como a do “Nutrimento”/PNPAS com as de alguns “gurus” das dietas… Numa sociedade cada vez mais dominada por algoritmos sensíveis aos nossos comportamentos, também a este respeito temos um papel ativo a desempenhar. É preciso ser criterioso nos clicks e partilhas que fazemos.

No século passado, foram precisos 15 anos para um alimento passar de mau a bom na capa de uma revista. Hoje, este tipo de julgamentos pode ser muito mais rápido graças a dinâmicas virais geradas pelos click bites, fake news ou simplesmente pela nossa apetência por conteúdos bonitos, novos ou sensacionais. E este é também um dos papéis do Nutricionista atualmente: com o conhecimento que temos, devemos ser um referencial de informação fidedigna, quer para os meios, quer para o público. Não é fácil, mas se fosse, não era preciso sermos Nutricionistas!

Rodrigo Abreu,

Nutricionista