Há dias, em conversa com colegas Nutricionistas, falávamos da dificuldade em lidar com aqueles doentes que acham já saber tudo. Por entre algumas gargalhadas, discutíamos como fazer ver a estas pessoas que não têm razão, e lembrei-me de um paciente que vi há uns anos. Era um homem com quarenta e tal anos, que entrou na consulta “obrigado” pelo Cardiologista na sequência de um enfarte agudo do miocárdio, que não o matou por pouco. Começou a nossa conversa logo a avisar que “não fumava, nem era gordo” e que por isso não entendia o que lhe tinha acontecido. Sem me dar tempo sequer de falar, apressou-se a dizer que fazia desporto, que não comia gorduras, e que as análises e a tensão arterial costumavam estar “bem”. Percebi que vinha contrariado e desconfiado das recomendações que eu lhe pudesse deixar. Afinal de contas, na sua perceção, estava tudo bem consigo e aquela ida às urgências que acabou num cateterismo e angioplastia, tinha sido “um susto” sem explicação aparente… Foi uma consulta difícil, pois estava sempre a interromper-me, o que dificultava a recolha normal de informação. Acenando positivamente com a cabeça e com muitos sorrisos de empatia, lá consegui perceber várias coisas. A tensão arterial era frequentemente alta, mas “só por causa do stress”. Tinha cuidado com a alimentação, mas “as patuscadas com os amigos fazem parte da vida”. Para compensar, ficava frequentemente sem comer desde a hora do almoço e “só jantava uma sopa” (e pão com queijo ou enchidos…). Desporto, afinal, fazia “sempre que podia” (o que significava muito raramente). E o peso, não sendo excessivo, estava no limite do desejável, com o valor do perímetro abdominal, esse sim, já associado a risco aumentado… Na cabeça deste homem estava tudo bem, mesmo depois de o ter posto a referir em voz alta tudo aquilo que fazia mal! Porém, para a melhoria da sua condição, de que me valia ter razão se ele não entendesse isso? E, mais importante, se não conseguisse que ele mudasse alguma coisa nos seus hábitos? Muitas vezes, na nossa prática (na clínica, em restauração ou em saúde pública) estamos tão certos de termos razão que nos esquecemos que isso, por si só, não chega. Sobretudo, ter razão não chega para obter os resultados que são esperados do nosso trabalho. Se é certo que o conhecimento científico que adquirimos na nossa formação, e que atualizamos na nossa prática, nos põe do lado da razão e é uma ferramenta importante, também é verdade que sem a adesão dos nossos interlocutores estaremos sempre limitados naquilo que poderemos fazer. Quem trabalha com doentes obesos sabe isto, quem trabalha na formação de pessoal de cozinha sabe isto, quem trabalha em programas de educação alimentar em saúde pública sabe isto. O homem acabou por vir a mais duas ou três consultas, claramente por vontade própria e orgulhoso em mostrar os seus progressos. Mostrava entusiasmado os registos da tensão arterial, mas o que o deixava realmente contente era levantar-se para exibir os furos novos no cinto, resultado da redução do perímetro abdominal. Correu bem, mas aquela consulta deixou-me a pensar se andamos mais preocupados em ter razão ou no que podemos fazer para que essa razão se converta em resultados. |