Super Quê? 1008

Confesso que foi com algum espanto que li os últimos dados do “Consumer Confidence Index (Q3 2016)” da Nielsen, empresa que se dedica de forma consistente a estudos de mercado, analisando os padrões de consumo em diversos países.

Segundo o último boletim, publicado em junho deste ano, 72% dos inquiridos em Portugal acredita na eficácia dos “superalimentos” na prevenção ou tratamento de algumas doenças. Mais: quase 50% dos inquiridos admite mesmo que os “superalimentos” podem substituir algumas prescrições médicas! Fiquei naturalmente curioso em saber quais seriam os “superalimentos” tão importantes para os portugueses e o estudo da Nielsen esclarece: iogurte (81%), feijão (71%), couve-de-folhas (64%), salmão (64%) e chá preto, verde e hibisco (55%), estão entre os produtos saudáveis mais consumidos. Na lista de “superalimentos” referidos surgem ainda o cacau, mirtilos, nozes e as exóticas bagas de goji e sementes de chia…

Não deixa de ser curioso ver como estes números se comparam com o resto da Europa. No continente, a percentagem de pessoas que acredita na eficácia dos “superalimentos” é de apenas 45%, pelo que temos de fazer algumas perguntas: estaremos em Portugal a valorizar demasiado o efeito de alguns alimentos na nossa saúde (não a alimentação, como um todo, mas apenas alguns alimentos)? Ou será a Europa mais cética em relação a esse conceito desconhecido da Ciência, os “superalimentos”?

Importa desde logo esclarecer que, cientificamente falando, não existem “superalimentos”. Não há definição científica para um alimento receber esta designação e procurando n’O Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora) percebe-se porquê: “alimento com elevada densidade nutricional, considerado especialmente benéfico para a saúde”. Uma definição desta natureza levanta várias questões: qual o valor a partir do qual se pode considerar elevada a densidade de um determinado nutriente? E como definir ou quantificar os benefícios para a saúde? Na realidade, “superalimento” é um termo de marketing e parece funcionar. Voltando ao estudo da Nielsen, 73% dos consumidores nacionais afirmam-se dispostos a comprar artigos que contenham estes alimentos!

Numa altura em que por todo o Mundo se trabalha ativamente na definição e aplicação de políticas para uma alimentação que promova mais saúde, estes dados devem fazer-nos refletir. Estaremos a dar demasiada ênfase a alimentos “bons”, em detrimento de uma boa alimentação? Estaremos a demonizar alimentos “maus”, dando espaço para que surjam “superalimentos” compensadores de hábitos menos corretos? De facto, os portugueses parecem confusos, pois se 40% admite estar a “fazer dieta” (contra 28% dos europeus), a verdade é que 44% admite optar por alimentos que considera “menos saudáveis” no momento de fazer uma pausa, preferindo snacks indulgentes em vez de fruta ou vegetais…

É caso para perguntar se fazemos dieta para compensar os erros que cometemos ou se comemos tentações para compensar as agruras da dieta. A grande lição a tirar destes (e de outros) dados é que para termos populações menos obesas e doentes, devemos ter presente que os comportamentos alimentares são complexos e motivados por imensos fatores. Só uma abordagem abrangente e multifatorial poderá trazer benefícios reais à saúde das populações. Caso contrário, continuaremos a assistir à proliferação de “superalimentos” capazes de resolver todos os males…

Rodrigo Abreu,
Nutricionista