Os nomes dirão pouco à maioria dos portugueses, mas, em Espanha, Mercedes Milá é uma conhecida figura de televisão que apresentou, entre outros, a versão espanhola do Big Brother. Já José Miguel Mulet é doutorado em Bioquímica, professor universitário e autor de vários livros sobre ciência, medicina e alimentação. Quando os dois se cruzaram num talk show do canal Cuatro, o resultado foi algo inesperado e com repercussões para lá do que se passou no estúdio. Isto porque, em dado momento, Mulet é convidado a dar a sua opinião sobre a validade científica de um livro que Milá defende acerrimamente. O bioquímico começa por explicar que “as enzimas prodigiosas não existem” e à medida que a conversa avança tenta explicar o que são de facto enzimas, desmontando ainda alguns mitos em torno da alimentação. A resposta da apresentadora, naturalmente, não foi baseada em ciência: “Lê o livro e emagrece, porque estás gordo!”. A tensão entre os dois continuou por mais algum tempo, com Mulet a argumentar com Ciência e Milá rebatendo com frases como “tanto me faz o que digas”. A situação podia ser apenas uma daquelas encenações, próprias de um certo tipo de programas sensacionalistas, mas as ondas de choque provocadas pelas afirmações de Milá (sobretudo nas redes sociais, onde a apresentadora chegou a ser acusada de bullying televiso), deve fazer-nos refletir sobre como podem ser tratados assuntos científicos junto do público em geral. Não há dúvidas que a Ciência em geral, e a Nutrição em particular, interessam ao grande público. Basta ver a frequência com que o tema faz capa de revistas ou é abordado em programas de televisão. Para não falar da internet, claro. Mas como se pode trazer a Nutrição para fora dos meios mais técnicos e académicos, de modo a apresentá-la de forma produtiva às pessoas que não entendem do assunto? E quais os riscos de estas mensagens serem mal entendidas ou abusivamente exploradas? Não havendo seguramente uma resposta fácil ou infalível, acredito que parte importante da solução passa por capacitar todos aqueles que, trabalhando em Nutrição, necessitam ou gostam de a comunicar. Uma regra básica da comunicação (e um importante fator para o seu sucesso) é a adequação da linguagem entre os vários intervenientes. A imagem do médico que na televisão deixa confusos todos os espectadores com a complexidade da terminologia que utiliza, é, infelizmente, um bom exemplo. Por outro lado, generalizar demasiado temas complexos pode tornar-se contraproducente. Trata-se de um equilíbrio, nem sempre fácil, entre o rigor do que se pretende transmitir e a sua compreensão por parte dos destinatários. É por isso absolutamente necessário que, cada vez mais, Nutricionistas e Meios de Comunicação (onde se incluem não apenas os tradicionais jornais ou televisões, mas também as emergentes redes sociais) possam trabalhar juntos na divulgação de mensagens relevantes sobre Nutrição e Ciência. Como nos ensinou o caso Milá e Mulet, quando não há adequação entre as mensagens e os intervenientes, rapidamente a atenção do público se desvia do que realmente interessa, a Ciência. Se juntarmos a isto a exposição mediática proporcionada por algumas destas situações, torna-se quase inevitável que o resultado seja uma vitória estrondosa dos discursos populistas sobre o Conhecimento… Rodrigo Abreu, |