Fiz, em 1999, o meu estágio curricular no então denominado Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Nutrição do Hospital de Egas Moniz, em Lisboa. Na altura, havia algumas dietistas no Hospital, cuja responsabilidade passava sobretudo pela alimentação e nutrição dos pacientes internados, mas consultas de Nutrição (havia quem as designasse por “consultas de nutricionismo”) naquele Serviço, não havia. A minha admissão foi autorizada e entusiasticamente recebida pela Diretora do Serviço, uma endocrinologista que liderava uma equipa de vários médicos desta especialidade e uma enfermeira.
Não tendo ainda terminado a Licenciatura, foi com surpresa que recebi indicações para estruturar e conduzir as consultas de nutrição, que seriam destinadas aos utentes referenciados pelos médicos do Serviço. Aqueles endocrinologistas, com muitos anos de experiência, confiaram absolutamente num estagiário de Nutrição, para complementar o trabalho que faziam nas suas consultas, apoiar as ações de educação e sensibilização da enfermeira (que lidava com utentes em áreas como a gestão do pé diabético ou a administração da insulina) e fazer avaliações e intervenções nutricionais em pessoas com diabetes, tiroidites diversas ou outras patologias. Para quem não era ainda nutricionista e não conhecia ninguém naquele Hospital, foi uma voto de confiança enorme, e uma responsabilidade ainda maior!
Os seis meses do estágio curricular passaram depressa e terminadas as minhas tarefas no Serviço, logo duas das médicas endocrinologistas me convidaram a integrar uma Unidade de Saúde privada onde também trabalhavam. O rigor do trabalho que tinha desenvolvido (naturalmente, supervisionado pelas Orientadoras no Hospital e na Universidade) e o impacto das intervenções na gestão da doença e qualidade de vida dos utentes, foram o melhor cartão de visita para esse convite e demonstravam o reconhecimento da relevância do nutricionista. A entrada no mercado de trabalho revelou-me, de forma algo inesperada, o reconhecimento que os restantes profissionais de saúde (sobretudo médicos e enfermeiros, mas também fisioterapeutas e psicólogos) tinham pelos nutricionistas. Também os utentes demonstravam esse reconhecimento, muitas vezes de uma forma peculiar: pediam receitas de medicamentos, requisições de análises e, os mais folgados, chegavam até a solicitar atestados!
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Era com enorme surpresa que me ouviam dizer que era nutricionista, não médico, que não prescrevia ou que não tinha vinhetas! E para outros utentes, a surpresa advinha de as consultas de Nutrição não serem comparticipadas por seguros ou sistemas de saúde porque, segundo os mesmos na época, os “nutricionistas não são médicos”… Apesar de todas estas situações, talvez “embaraçosas” aos olhos de alguns, nunca tive qualquer vergonha ou complexo de inferioridade por ser nutricionista, e não médico. Nos locais onde trabalhei, mesmo naqueles onde a posição de nutricionista era considerada “menor”, nunca perdi perspetiva relativamente à utilidade e validade da minha prática. Orgulho-me, por isso, que o meu trabalho (como o de tantos outros colegas) tenha contribuído para a afirmação da profissão e para o reconhecimento que goza atualmente na sociedade. Foi também com satisfação que assisti à evolução da profissão e à crescente exigência de conhecimentos, responsabilidades e regulação. E talvez a maior prova de reconhecimento ao valor dos nutricionistas seja o elevado número de candidatos aos cursos de Nutrição certificados e reconhecidos, assim como a quantidade de pseudo-formações que supostamente habilitam alguém para fazer aconselhamento nutricional, ou o interesse de outros profissionais de saúde em praticar atividades previstas em Diário da República como Ato do Nutricionista. Se durante anos, era frequente ter de explicar que os nutricionistas não eram médicos, parece que nos próximos tempos o desafio vai ser explicar que nem todos são nutricionistas…
Por Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição