Em poucos momentos da história recente tivemos noção tão clara de como é importante que o cidadão seja parte ativa na preservação da sua saúde e na corresponsabilização no tratamento da doença. A pandemia pelo SARS CoV-2 (COVID 19) destapou realidades escondidas e tornou claro que ninguém está livre de contrair “uma gripe agressiva altamente infeciosa e com mutações sucessivas” e com mortalidade significativa. A resposta do sistema de saúde, com particular relevo para o SNS foi determinante para o controlo da pandemia, apesar dos percalços de percurso. Ficou claro que só com um serviço de saúde forte e dotado de recursos se pode consagrar o direito do cidadão a preservar a sua saúde e a ser socorrido em caso de doença.
Num segundo plano a tecnologia desenvolve vacinas em tempo record e com eficácia comprovada. A ciência fez (e continuará a fazer) progressos notáveis no tratamento de novas e velhas doenças. Contudo, os custos implicados condicionam o acesso à inovação, aos tratamentos e às patentes, por vezes, como constrangimentos sufocantes. Os mais velhos, os portadores de multimorbilidade e os cidadãos de menores recursos, são os mais desvalidos e que mais se confrontam com a insuficiência de recursos para se cuidarem e tratarem. Só uma estratégia solidária e de corresponsabilização de todos pode minimizar essas desigualdades.
A experiência da pandemia nos lares e setor social, que se mantinham à parte do sistema de saúde, tornaram claro que as condicionantes sociais, a integração de cuidados e o acesso aos serviços de saúde são necessidades básicas na preservação da saúde e no combate à doença. O envelhecimento, a multimorbilidade, a doença complexa e a perda de faculdades para assegurar o autocuidado, não são correspondidas em hospitais, se não existir infraestrutura local e autárquica capaz de assegurar o acompanhamento e suporte. Também aqui aprendemos a lidar com as nossas especificidades e diversidade, compreendendo que o setor social e a saúde são facetas do mesmo poliedro. O acesso a unidades locais de saúde empenhadas e capazes de assumir a responsabilidade pelos seus utentes, são direitos básicos e essenciais quando coordenados com uma saúde pública interveniente, preventiva, integradora e capaz de informar e formar o cidadão.
A crescente digitalização da prestação de cuidados, da comunicação entre cidadãos, do acesso à informação e do crescendo de registos clínicos eletrónicos, mudaram radicalmente a relação profissionais de saúde / cidadãos. São o maior e mais promissor desafio ao modelo de organização dos serviços de saúde. Os direitos do cidadão vivem uma oportunidade de crescimento e de capacitação da pessoa como nunca havia acontecido, mas ao mesmo tempo são ameaçados por inúmeras possibilidades de violação da privacidade e desigualdade de acesso para os infoexcluídos.
Se a Europa aprofundar a sua integração, a cooperação internações e a autossuficiência das necessidades básicas, pode ser uma oportunidade de complementaridade e subsidiariedade. O aumento de escala permite rendibilizar e racionalizar recursos, mas a sua legitimação depende da forma como reconhecer o primado do cidadão, a importância do cuidar da pessoa vulnerável no respeito pela dignidade da pessoa na definição das prioridades sociopolíticas.
Portugal tem dado passos nesse sentido e a experiência da pandemia provocou a rotura de inúmeros bloqueios e anquiloses ancestrais, criando outras tantas oportunidades para melhorar…”
António Carneiro – Coordenador do Núcleo de Estudos de Bioética da SPMI