A evolução dos padrões alimentares ao longo de vários milhares de anos, com a inclusão de alimentos cada vez mais processados e industrializados, tem sido paralela ao aumento da incidência de doenças crónicas não transmissíveis, tais como a diabetes, a doença cardiovascular e o cancro. Estudos epidemiológicos mostram de forma mais ou menos sistematizada uma relação evidente entre o excesso de peso, particularmente, obesidade, e vários tipos de cancro. Alguns dos mecanismos propostos para esta relação incluem (i) uma maior quantidade de hormonas e fatores de crescimento, como a insulina ou o fator de crescimento idêntico à insulina (IGF-1), que induzem o anabolismo e consequentemente a proliferação e crescimento celular; (ii) o aumento dos níveis de hormonas esteroides, sobretudo estrogénios, em mulheres pós-menopausa; (iii) a alteração dos níveis de citocinas secretadas pelo tecido adiposo e implicadas na modulação de processos imunológicos associados à oncogénese; (iv) a alteração do perfil da microbiota intestinal, recentemente descrita como estando implicada na incidência e progressão de tumores neoplásicos.
Um dos padrões alimentares propostos como tendo impacto positivo na prevenção da incidência e da progressão do cancro da mama é o vegetarianismo, que é também uma opção promissora no que diz respeito à sustentabilidade alimentar. De facto, a evidência mostra que a redução da ingestão de gordura saturada (de origem animal) pode mitigar as complicações oncológicas do cancro da mama associadas à adiposidade. Um outro estudo de 2009 sugere uma redução de 43% na taxa de mortalidade em mulheres com cancro de mama que consumam dietas ricas em hortícolas e cereais integrais.
Tradicionalmente, estudos que relacionavam dietas à base de plantas e cancro da mama eram essencialmente dicótomos, caracterizando as populações de estudo entre os que consumiam ou não consumiam todos ou alguns produtos de origem animal. No entanto, do ponto de vista clínico e de saúde pública, é importante perceber se a redução progressiva do consumo de carne e outros alimentos de origem animal poderá ter algum impacto no risco de cancro da mama. Por exemplo, o consumo de lacticínios tem mostrado associações controversas em relação à incidência de cancro de mama, com alguns estudos a mostrar um efeito protetor. Outra questão importante é a qualidade nutricional e a densidade energética das refeições e snacks consumidos por pessoas que seguem padrões alimentares à base de plantas. Comer batatas fritas, pão branco feito à base de cereais refinados, e sumos de fruta processados, enquadra-se num padrão alimentar à base de plantas, embora não se traduza numa dieta saudável. De facto, a evidência sobre a relação entre dietas vegetarianas ou veganas e a saúde e doença tem inúmeras limitações, principalmente relacionadas com a ausência de dados sobre processamento culinário dos alimentos, o tempo e adesão a estes padrões alimentares ou a ingestão de suplementos nutricionais para compensar determinadas carências (ex. suplementos de vitamina B12, que não pode ser fornecida por alimentos de origem vegetal). Outra questão importante é a adequação dos grupos controlo, nos estudos que comparam a adesão a padrões vegetarianos e veganos com outros padrões alimentares. Uma revisão sistemática com meta-análise, de Menzel et al, publicada em 2020 na revista Scientific Reports, cujo objetivo era o de avaliar a associação entre dietas vegetarianas e veganas a padrões inflamatórios, usou o seguinte critério de elegibilidade para os grupos controlo: “participantes de grupos controlo foram considerados se reportassem comer produtos à base de carne (dieta ocidental omnívora)”. Este critério não tem em consideração a qualidade da dieta omnívora ou a quantidade de carne ingerida, mas apenas a presença deste alimento na dieta. Grupos controlo adequados para estudos que avaliem a relação entre dietas vegetarianas ou veganas de elevada qualidade nutricional e a saúde/doença seriam, por exemplo, indivíduos que seguissem padrões omnívoros igualmente equilibrados, como a dieta mediterrânica.
Um artigo recentemente publicado no American Journal of Clinical Nutrition, por Shah et al. avaliou o impacto do consumo de alimentos de origem animal, alimentos à base de plantas considerados saudáveis e alimentos à base de plantas considerados menos saudáveis na incidência de cancro de mama em mulheres pós-menopausa, num estudo de coorte que seguiu as participantes durante mais de duas décadas. Quase 4000 mulheres francesas com cancros de mama incidentes foram identificadas ao longo de um período médio de 21 anos. Um nível de adesão moderada a dietas saudáveis à base de plantas mostrou estar associado ao menor risco de desenvolver cancro de mama. No entanto, dietas menos saudáveis também à base de plantas mostraram ter uma associação inversa à anterior, com 20% maior risco de cancro de mama por parte do quintil de maior adesão a este tipo de dieta em relação ao quintil de adesão mais baixo.
Notavelmente, dois dos fatores que separam claramente as dietas saudáveis das não saudáveis, no que diz respeito a dietas à base de plantas, são: a) a quantidade e diversidade de micronutrientes com conhecido papel na modulação inflamatória (ex. ácidos gordos ómega 3, vitaminas e polifenóis) e b) a quantidade de fibra alimentar que caracteriza cada um dos padrões. De facto, alimentos de origem vegetal, em natureza, como as leguminosas, oleaginosas, frutas e hortícolas, são bons fornecedores de fibra alimentar, enquanto que alimentos muito processados como pães à base de cereais refinados, refrigerantes e sumos de fruta não naturais, fornecem menos fibra alimentar. A evidência mostra-nos que consumos elevados de fibra reduzem o pool de estrogénios, podendo contribuir para a redução do risco de cancro de mama. A fibra alimentar fornecida por alguns dos alimentos descritos (ex. leguminosas, frutas) funciona ainda como prebiótico, tendo um efeito modulador da microbiota intestinal. Uma microbiota equilibrada e diversificada, com limitada quantidade de bactérias gram-negativas, que estão na origem de metabolitos pró-inflamatórios com atuação sistémica (Lipopolissacarídeo, por exemplo) pode ser preventiva. Além disso, ao ser fermentada por bactérias comensais, a fibra leva à produção de ácidos gordos de cadeia curta que melhoram a integridade do epitélio intestinal e beneficiam o sistema imunitário. Por outro lado, as dietas menos saudáveis à base de plantas fornecem, tendencialmente, maiores quantidades de hidratos de carbono, que estimulam hormonas anabólicas como a insulina e o IGF-1, que atuam nas vias anabólicas (mTORC) podendo hiperestimular a síntese proteica, proliferação e crescimento celulares, potenciando mecanismos pró-oncológicos.
Conclui-se então que não é o padrão alimentar vegetariano que confere maior proteção do risco de cancro de mama mas sim muitos dos alimentos que podem ser consumidos dentro desse padrão. É importante notar, no entanto, que padrões alimentares saudáveis e sustentáveis, que incluam alimentos de origem animal (ex. a dieta mediterrânica) podem ser suficientemente diversificados para incluir todos os alimentos com potencial protetor neste e outros tipos de cancro. Note-se ainda que, no que diz respeito a dietas e padrões alimentares e sua relação com cancro de mama, há que ter algum cuidado com abordagens binárias (ex. com ou sem alimentos de origem animal), havendo sempre lugar e espaço para a diversidade alimentar.
Marta P Silvestre; Professora Auxiliar
Nutrition & Metabolism, CINTESIS, NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, NMS,
FCM, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, Portugal