A ONU alertou que Timor-Leste necessita de uma campanha urgente de apoio a 300 mil pessoas para combater a crise de insegurança alimentar em que vivem, implementando ao mesmo tempo ações estruturais concretas para combater o problema.
“Necessitamos de um programa de apoio alimentar urgente para responder a esta crise até novembro. As nossas contas estimam que sejam necessários 57 milhões de dólares [53,4 milhões de euros]”, disse à Lusa Cecília Garzon, chefe da missão do Programa Alimentar Mundial (PAM) em Díli.
“Mas não basta isto. Se só resolvemos esta crise, quando fizermos uma nova avaliação, a situação não mudará. Precisamos de dar outros passos em paralelo. O Governo tem um orçamento de mais de dois mil milhões para uma população de 1,3 milhões e é necessário atuar”, disse.
Garzon falava à Lusa por ocasião da publicação desta terça-feira de um estudo que indica que 300 mil timorenses, 22% da população, enfrentam insegurança alimentar grave e requerem assistência urgente e mais de 13 mil enfrentam uma emergência que requer ação imediata.
“Estas populações enfrentam altos níveis de insegurança alimentar aguda. É necessária ação urgente”, refere-se no estudo de Classificação Integrada da Segurança Alimentar (IPC, na sua sigla em inglês), a que a Lusa teve acesso.
Em termos regionais, no estudo indica-se que 11 das 14 regiões do país estão na fase três, de crise, e três municípios na fase dois, de emergência.
Entre os principais fatores responsáveis pela situação atual, destacam-se “os elevados preços dos alimentos, a redução do poder de compra e os impactos persistentes da pandemia covid-19, bem como as inundações de 2021 e 2022”.
No caso de Timor-Leste, um terço da população vive sem insegurança alimentar aguda, cerca de 581 mil estão no nível dois, 286 mil vivem em crise e 13 mil estão em emergência.
“Fiquei extremamente surpreendida. Estes dados do IPC mostram que um terço da população está em insegurança alimentar. Fiquei chocada e não esperava que num país onde se investiu muito dinheiro, com uma população pequena, tivéssemos este resultado”, disse.
Para a responsável do PAM a causa principal do problema, já crónico em Timor-Leste, é a pobreza em que vive uma fatia significativa da população. “Uma população predominantemente jovem, sem formação, sem oportunidades, faz alargar a pobreza, e a pobreza gera a insegurança alimentar. As pessoas não conseguem aceder a comida na quantidade e na qualidade necessárias”, disse.
“Temos uma população elevada em pobreza. 67% não consegue pagar uma dieta nutritiva. E por isso temos este resultado, de uma fatia significativa da população em insegurança alimentar que, ao longo do ano, continuará para elevados níveis de subnutrição”, vincou.
Garzon notou que o mercado em Timor-Leste até evidencia ter disponível uma variedade significativa de produtos, mas que o custo de muitos deles fica aquém do poder de compra de muitos timorenses.
“A pobreza muitas vezes chega a ser pior nas zonas urbanas, especialmente no acesso a alguns produtos mais variados. O desemprego é elevado e isso agrava a situação”, acrescentou.
“O motor da má nutrição e da insegurança alimentar é a pobreza. Precisamos de olhar para o programa de proteção social. Estamos a falar dos mais pobres e por isso é crucial trabalhar em conjunto com a proteção social para melhorar as condições dos mais pobres e vulneráveis”, disse. A responsável do PAM sustentou que devem ser tomadas medidas para corrigir as causas estruturais.
“Não podemos olhar apenas para esta resposta a curto prazo, durante um período. Temos de investir em atividades para melhorar a situação estruturalmente a médio e longo prazo. Olhar para a produção, perceber porque é mais caro comprar um frango de produção local do que importar um do Brasil, por exemplo. A cadeia de valor que é necessária para ter um impacto na nutrição e os problemas que existem”, disse.
“Produção, transporte, perdas, tudo isso tem de ser feito de forma integrada, com ações concretas. Porque não se está a investir mais nisto? Há questões económicas que têm que ser analisadas e ações tomadas a curto, médio e longo prazo, lidando com a realidade do terreno”, disse.
Garzon disse esperar que o estudo, feito em apoio ao Governo, possa abrir a porta para um “diálogo necessário” para corrigir esta questão, explicando que o PAM “tem a capacidade para implementar” e para ajudar no que for necessário em termos técnicos.
“Precisamos de olhar para as situações mais graves do país. Uma delas é Ermera. Criar pequenas cadeias de valor, ensinar a passar de subsistência para mercado, introduzir seguros para situações de clima, por exemplo”, disse. Apesar de sucessivos programas e iniciativas no setor da segurança alimentar e nutrição, Timor-Leste continua a registar índices elevados de problemas nesta questão.
Nesse âmbito, o Presidente timorense, José Ramos-Horta, disse no final de janeiro que governantes de Timor-Leste e parceiros internacionais deviam “ser julgados” por não terem ainda conseguido resolver o problema da segurança alimentar, na agenda do país há 20 anos.
“Vinte anos depois da independência ainda estamos a falar de segurança alimentar, neste pequeno país de apenas 1,3 milhões de pessoas. Todos devemos ser julgados: timorenses e parceiros internacionais”, afirmou José Ramos-Horta, em Díli. “Um julgamento público em que cada um de nós teria que explicar o que andámos a fazer neste país durante estes 20 anos”, sublinhou.