Segundo a 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), a obesidade é uma doença crónica complexa definida como um excesso de adiposidade prejudicial para a saúde. O Índice de Massa Corporal [(IMC), peso (kg)/estatura2 (m2)] é o marcador de adiposidade usado para definir obesidade que, em adultos, corresponde a um IMC ≥ 30,00 kg/m2 [1]. Contudo, o IMC como único critério diagnóstico não reflete a natureza complexa da doença, sendo importante considerar as complicações associadas à obesidade, maioritariamente determinadas por processos patológicos relacionados com a quantidade e distribuição da adiposidade e com a resposta endócrina e imunológica de um tecido adiposo doente. A conceptualização da obesidade como uma doença crónica baseada na adiposidade (Adiposity Based Chronic Disease, ABCD) permite maior robustez diagnóstica e melhor estadiamento das comorbilidades [2].
No Atlas Mundial de Obesidade [3], o excesso de peso (pré-obesidade e obesidade), em 2020, afetava mais de 2,6 mil milhões de pessoas, com uma prevalência de obesidade de 14% e 18% no sexo masculino e feminino, respetivamente. Esta prevalência correspondeu a um impacto económico mundial estimado em 1,8 triliões de euros, sendo de salientar que noa Estados Unidos da América se gastam mais de 60 mil milhões de euros anualmente em programas de perda de peso. Em Portugal, os resultados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) [4], relativos a uma amostra representativa da população portuguesa em 2015-2016, mostraram que quase 6 em cada 10 portugueses (57,1%) tem excesso de peso e que a prevalência nacional de obesidade é de 22,3%. O custo direto do excesso de peso em Portugal foi estimado em 1,2 mil milhões de euros, 6% das despesas de saúde nacionais [5].
É um problema major de saúde pública que carece não só de estratégias de prevenção, mas também de tratamento, que façam justiça à gravidade da doença e que considerem a sua complexidade. Visões populares do problema pecam, por vezes, por cair em estereótipos e descrições excessivamente simplificadas apresentando soluções demasiado irrealistas que não assentam na evidência mais atual. Representar a obesidade como um problema de “força de vontade” individual assente no binómio “comer demais” e “mexer de menos” é demasiado simplista. Apesar de o desequilíbrio entre aporte e gasto de energia estar no centro do problema, os fatores físicos e psicológicos inerentes à biologia humana fazem com que muitas pessoas tenham predisposição para adiposidade excessiva. Contudo, a complexidade dos fatores ambientais, sociais e políticos que – a montante – influenciam os fatores físicos e psicológicos caracteriza-se por ser uma rede intricada de fatores de difícil controlo [6].
Torna-se, pois, crucial não estereotipar, não simplificar excessivamente, não estigmatizar e não culpar quem sofre de obesidade. É ainda essencial que a pessoa interiorize que tem uma doença crónica, passível de tratamento com inúmeras possibilidades terapêuticas. O tratamento cirúrgico (cirurgia metabólica e bariátrica) deve ser encarado como mais uma opção terapêutica na qual, tal como noutros tratamentos, o sucesso a longo-prazo depende da adesão do doente a novos estilos de vida com alteração de hábitos alimentares, de atividade física, de sono e de saúde psicológica, entre outros.
A cirurgia metabólica e bariátrica tem-se mostrado muito eficaz no tratamento da obesidade [7], mas não é uma “solução milagrosa”. Tem, como outros tratamentos, indicações e contraindicações, benefícios e riscos, bem como taxas de sucesso e insucesso. Sendo assim, é essencial selecionar os doentes candidatos a cirurgia, bem como educar e monitorizar dando-lhes acesso a uma equipa multidisciplinar experiente que o acompanhe regularmente nos períodos pré-cirúrgico, peri-operatório, pós-operatório precoce, pós-operatório tardio e ao longo da vida. Para ter sucesso, o acompanhamento e procedimentos devem assentar na evidência e estar devidamente protocolados para toda a equipa [7].
É essencial que o doente compreenda que este tratamento não é infalível, que se trata de mais uma opção terapêutica, muito eficaz, mas cujo sucesso depende da adesão a novos estilos de vida. É também crucial que interiorize que o tratamento implica cuidados nutricionais muito específicos, incluindo a necessidade de um período pós-cirúrgico com cerca de 2 meses de progressão alimentar através de dietas de textura modificada (líquida, cremosa, mole), a necessidade de suplementação (proteica, multivitamínica e multimineral) e a absoluta necessidade de alteração de comportamentos e hábitos alimentares que levaram ao desenvolvimento da doença. Como noutros tratamentos, há benefícios e riscos, sucessos e insucessos, momentos mais fáceis e mais difíceis. É uma ferramenta terapêutica extremamente eficaz [7], se bem usada em seio de equipa multidisciplinar com decisão verdadeiramente informada por parte do doente.
Catarina Roquette Durão
Professora Auxiliar NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas | Universidade Nova de Lisboa
Nutricionista 0289N, especialista em Nutrição Comunitária e Saúde Pública
Unidade de Cirurgia da Obesidade e Metabólica | Hospital CUF Tejo
Unidade Universitária Lifestyle Medicine | Hospital CUF Tejo
Referências
- ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (Version : 01/2023). Available at: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http%3A%2F%2Fid.who.int%2Ficd%2Fentity%2F149403041.
- Mechanick JI, Hurley DL GW. Adiposity-based chronic disease as a new diagnostic term: The American Association of Clinical Endocronologists and American College of Endocrinology Position Satement. Endocr Pr. 2017;23(3):372–8.
- World Obesity Federation, World Obesity Atlas 2023. Available at: https://data.worldobesity.org/publications/?cat=19.
- Lopes C et al. Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física IAN-AF 2015-2016. U. Porto 2017.
5 Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), Evigrade-IQVIA e Sociedade Portuguesa. Estudo da Obesidade (SPEO). Estudo “O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal”. Outubro de 2021.
- Government Office for Science. Tackling Obesities: Future Choices – Project Report (2nd Edition), 2007.
- Park CH, Nam SJ, Choi HS, Kim KO, Kim DH, Kim JW, Sohn W, Yoon JH, Jung SH, Hyun YS, Lee HL. Comparative Efficacy of Bariatric Surgery in the Treatment of Morbid Obesity and Diabetes Mellitus: a Systematic Review and Network Meta-Analysis.Obes Surg. 2019 Jul;29(7):2180-2190. doi: 10.1007/s11695-019-03831-6.