Por Catarina Roquette Durão; Professora Auxiliar NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas | Universidade Nova de Lisboa; Nutricionista 0289N, especialista em Nutrição Comunitária e Saúde Pública; Unidade de Cirurgia da Obesidade e Metabólica | Hospital CUF Tejo; Unidade Universitária Lifestyle Medicine | Hospital CUF Tejo
Em 2020, o excesso de peso (pré-obesidade e obesidade) afetava mais de 2,6 mil milhões de pessoas em todo o mundo, estimando-se – para 2025 – um aumento na prevalência de obesidade que poderá vir a afetar 16% dos homens e 21% das mulheres em todo o mundo. O impacto económico do excesso de peso estimou-se em 1,8 milhões de biliões de euros em 2020, sendo expectável que aumente para 2,2 milhões de biliões de euros em 2025 [1]. Em Portugal, o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) mostrou que 57,1% dos portugueses sofre de excesso de peso, sendo a prevalência nacional de obesidade de 22,3%, com um custo direto estimado em 6% das despesas de saúde nacionais [2].
Um relatório do Reino Unido [3], publicado há mais de 15 anos e que mantém toda a relevância na atualidade, salientou magistralmente que a elevada prevalência de obesidade não se deve a que uma dada população tenha menos “força de vontade” ou seja “mais glutona” do que gerações anteriores, nem que a sua biologia se tenha alterado substancialmente em relação aos seus antepassados. O que mudou profundamente foi o contexto em que vivemos, nomeadamente a sociedade, os padrões de trabalho, os meios de transporte e a produção/comercialização de alimentos. O que estas alterações de contexto, entre outras não nomeadas para benefício da parcimónia do texto, revelaram foi a tendência biológica basal de muitas pessoas para ganhar e armazenar tecido adiposo em excesso [3].
A “Teoria dos Sistemas Ecológicos” encara o desenvolvimento do ser humano no seu contexto, considerando que alterações de características individuais – como uma acumulação excessiva de massa adiposa – não podem ser compreendidas sem ter em conta contextos proximais e distais [4]. Adaptando para o doente com obesidade, contextos proximais incluem a família e o local de trabalho que, por sua vez, se enquadram em contextos sociais mais abrangentes. Nesta conceptualização, fatores de risco da obesidade, como a alimentação e o sedentarismo, interagem com características da pessoa (ex., sexo) que são modeladas por fatores contextuais que – por sua vez – são influenciados por fatores mais distais como os perfis da comunidade e sociedade ou, ainda mais a montante, fatores políticos e económicos. Modelos conceptuais assentes na teoria social e ecológica consistem em enquadramentos abrangentes que se debruçam sobre as influências ambientais no comportamento, sendo particularmente úteis para descrever e estudar fatores associados ao comportamento alimentar e à adiposidade excessiva.
O modelo conceptual publicado no relatório do Reino Unido[3] utilizou uma abordagem de sistemas de mapeamento para compreender a complexidade social e biológica da obesidade, dando origem a um mapa intrincado e abrangente dos determinantes do binómio “energia ingerida/dispêndio energético” mostrando que o equilíbrio (ou desequilíbrio) energético é influenciado por um sistema complexo e multifacetado de determinantes no qual não existe um fator de risco dominante e sim múltiplos sistemas de fatores interligados. No centro da obesidade está o sistema biológico homeostático humano a lutar para lidar com uma sociedade em rápida mudança, na qual a evolução tecnológica e digital ultrapassa a evolução humana [3].
Muitos apresentam maior propensão biológica subjacente para acumular energia, desenvolvendo e mantendo excesso de adiposidade, por risco genético, por influência de fatores muito precoces (gestação, infância) ou por maior sensibilidade do sistema de controlo do apetite em fases precoces do ciclo de vida – dando origem ao termo “obesidades familiares”. Contudo, na maioria dos casos, estes fatores não explicam o rápido aumento da prevalência de obesidade. Alterações no ambiente externo – ou contexto socio-ecológico em que vivemos – têm revelado a capacidade de influenciar a tendência para aumento de adiposidade em várias populações [3].
A obesidade demora tempo a desenvolver-se e os seus primórdios começam cedo na vida, havendo componentes de ciclo de vida e geracionais a considerar que tornam ainda mais complexo o problema. Apesar de serem múltiplos os fatores biológicos, sociais e ambientais que favorecem a obesidade, sendo de salientar que esta doença tem um custo elevadíssimo (tempo e dinheiro), é essencial ter uma perspetiva simultaneamente de prevenção e tratamento, bem como temporal e geracional, atuando – hoje – para benefício da geração atual e das que se seguirão.
É essencial não julgar o comportamento individual do doente com obesidade, evitando perspetivas demasiado simplistas que, por vezes, se aproximam da culpabilização e que apenas agravam o problema colocando mais um “peso” sobre alguém que já sofre de uma doença pesada. Em simultâneo à prevenção, é crucial fornecer à comunidade serviços de saúde integrados, com equipas especializadas no tratamento da obesidade, que sejam capazes de implementar tratamento multidisciplinar nas várias opções atualmente existentes nomeadamente intervenções de estilo de vida, aliadas (se indicado) a intervenção farmacológica e/ou cirúrgica.
Referências
- World Obesity Federation, World Obesity Atlas 2023. Available at: https://data.worldobesity.org/publications/?cat=19.
- Lopes C et al. Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física IAN-AF 2015-2016. U. Porto 2017.
- Government Office for Science. Tackling Obesities: Future Choices – Project Report (2nd Edition), 2007.
- Bronfenbrenner U. Ecology of the family as a context for human development: research perspectives. Dev Psychol 1986;22:723-42.