O novo ano. Quais os desafios clínicos à luz das novidades científicas?
Será a obesidade uma doença transmissível?
Será o jejum intermitente uma estratégia de sucesso para a perda e a manutenção do peso?
Como se acerta o relógio biológico?
Em 2020 será certamente o ano do microbiota, do microbioma. O ano para um ainda maior enfoque para o microbiota/microbioma como alvo terapêutico.
Considerando a presença de disbiose nas doenças ‘não-comunicáveis’ como a obesidade, a diabetes, as doenças cardiovasculares, entre muitas outras e à luz do postulado de Koch estas patologias devem afinal ser entendidas como ‘comunicáveis’!!!! A transmissão de microbiota entre indivíduos é uma realidade.
Ou seja, se compararmos um indivíduo obeso com um normoponderal, sabe-se que apresentam microbiotas (intestinais) diferentes. Se a disbiose está relacionada com a condição metabólica, com o risco, a transmissão de microbiota entre indivíduos, entre o doente e o saudável, deve ser agora considerada na etiopatogenia de muitas das morbilidades que são hoje um dos principais problemas de saúde pública.
Começamos o ano com algumas outras novidades científicas. Uma revisão do estado da arte em matéria de perda de peso. No final de dezembro de 2019, Cabo & Mattson publicam no The New England Journal of Medicine uma revisão defendendo o jejum intermitente como a estratégia de sucesso na perda de peso, sobretudo com o encurtando do período do dia (número de horas) durante o qual são feitas as refeições – entre 10 horas a 6 horas e entre 14 a 18 h de jejum noturno, respetivamente. A questão metabólica central está no papel-chave dos corpos cetónicos na regulação metabólica o que só acontece aquando de um contexto de jejum mais prolongado.
Já em 2013, Tahara & Shibata tinham publicado na revista Neuroscience Review Chronobiology and Nutrition alguns dos mecanismos moleculares associados ao sucesso do jejum intermitente, sustentando que após a ingestão alimentar, e a consequente libertação de insulina, ocorre uma diminuição da razão NAD+/NADH inibindo a transcrição de alguns genes associados ao ritmo circadiano que, por sua vez, são importantes regulares do metabolismo. Ou seja, as oscilações entre o estado de jejum e o estado de pós-refeição são importantes para que sejam desencadeadas as vias de regulação de forma harmoniosa e adequada.
Atualmente com um período de horas de ingestão alimentar muito alargado, poucas horas de jejum noturno e uma necessidade quase contínua de ingestão de alimentos (petiscar), leva a que estas oscilações praticamente não existam ou sejam ténues ao ponto de uma desregulação metabólica. A ingestão de alimentos com muita frequência provoca picos de insulina frequentes, o que parece impedir a transcrição de muitos dos genes reguladores do metabolismo, associados ao ritmo circadiano (como FOXO, GR, CREB entre outros).
Mais ainda, na revisão de Kinouchi publicada na revista Cells Report em 2019, fica reforçada a interligação entre o jejum e a regulação de genes associados ao ritmo circadiano. De acordo com estes autores, o jejum ativa a transcrição de muitos genes, que deixam de ser transcritos com a cronicidade da ‘abundância alimentar’.
Ainda em 2019 ficou mais claro e reforçado o papel do microbiota nos efeitos do jejum: o jejum provoca modificações no metabolismo das bactérias intestinais, levando a uma comunicação o intestino e os diferentes outros órgãos. De acordo com a revisão de Moreno-Navarrete publicada na Reviews in Endocrine and Metabolic Disorders (2019), no jejum, os ácidos gordos de cadeia curta, sobretudo o acetato, terão um papel importante ao nível do tecido adiposo modulando a transdiferenciação do adipócito ‘amarelo’ para adipócito ‘beje’, ou seja, com maior capacidade termogénica pela sua maior expressão de termogenina (UCP1). Este efeito do acetato parece mediado pelo MCT (transportador de ácidos monocarboxílicos).
Reforçada nos últimos 15 anos a atenção sobre o tema do microbiota no ganho de peso, nos mecanismos associados às doença metabólica, nos mecanismos do sucesso do jejum, espera-se do novo ano, 2020, uma enorme evolução dos conhecimentos clínicos, práticos, sobre novas intervenções ao nível do microbiota intestinal, como centrais ou como adjuvantes, na abordagem terapêutica das doenças metabólicas.
O sono, a gestão do stresse, as horas das refeições, o jejum entre as refeições, a qualidade nutricional/alimentar, a presença de fibra alimentar (hortofrutícolas e leguminosas), o exercício físico, são elementos chave dos estilos de vida, que devem ser trabalhados quer numa lógica de prevenção quer de abordagem terapêutica de intervenção no doente.
O diagnóstico de disbiose estará no centro da decisão clínica e de uma intervenção cada vez mais diferenciada do médico e do nutricionista.
Espero para os leitores da Viver Saudável em 2020 uma melhoria dos seus estilos de vida e com isso, mais saúde e sucessos profissionais!
Conceição Calhau
Professora Associada com Agregação, Nutrição e Metabolismo
NOVA Medical School, UNL