Os impactos das alterações climáticas na saúde humana incluem impactos diretos, como mais mortes devido a inundações e ondas de calor, e impactos indiretos, como aumento de doenças relacionadas ou transmitidas pela água e por alimentos. De facto, é reconhecido que as alterações climáticas, incluindo temperaturas crescentes, precipitação e eventos climáticos extremos (particularmente cheias e secas), aumentam o risco de segurança alimentar através de diferentes vias e em várias fases da cadeia alimentar, desde a produção primária até o consumo.
Embora se discutam principalmente as consequências das alterações climáticas na segurança alimentar (food security), como acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos, um tópico relativamente menos abordado está relacionado com o impacto das alterações climáticas na segurança dos alimentos (food safety) e os subsequentes efeitos adversos na saúde humana.
As alterações climáticas aumentam a exposição dos alimentos, e consequentemente dos humanos, a certos patógenos e toxinas, assim como a contaminantes e resíduos químicos, nomeadamente metais, dioxinas, resíduos de pesticidas e outros contaminantes químicos. O uso crescente destes químicos na produção de alimentos, nomeadamente pesticidas, está relacionado com a necessidade de melhorar a produção e a qualidade nutricional dos alimentos como resposta às dificuldades impostas pelas alterações climáticas.
De entre estas problemáticas podemos destacar:
– contaminação microbiológica de alimentos e suas doenças associadas, nomeadamente diarreias, salmonelose e outras patologias gastrointestinais, uma vez que as alterações climáticas influenciam o destino, transporte, transmissão, viabilidade e taxa de multiplicação de patógenos na cadeia alimentar;
– aparecimento e disseminação de zoonoses com transferência de patógenos de animais para seres humanos;
– contaminação de culturas, principalmente durante o armazenamento de mercadorias, por fungos produtores de micotoxinas, metabolitos tóxicos secundários produzidos por alguns fungos com efeitos adversos na saúde quando consumidos por humanos e animais;
– contaminação ambiental e riscos químicos nos alimentos, nomeadamente pela contaminação de solos e subsequentemente das águas devido aos períodos alternados de secas e inundações, à desertificação acelerada e à degradação ambiental para fins agrícolas, de mineração ou industriais. Por outro lado, esta contaminação poderá ser também decorrente do uso crescente de pesticidas e medicamentos veterinários como resposta às adversidades colocadas pelas alterações climáticas.
As alterações da qualidade dos alimentos e diminuição da sua segurança, aumenta o risco de impactos negativos na saúde humana, no entanto, a incidência resultante de doença depende da resiliência pessoal, assim como do tipo e da extensão da exposição ao longo do tempo. Para além das patologias infeciosas e gastrointestinais já referidas, podemos ainda realçar o possível aumento de alergias, efeitos tóxicos agudos e crónicos, cancro e doenças endócrinas, uma vez que alguns destes contaminantes são também alteradores endócrinos.
De uma forma geral, as pessoas e comunidades diferem na exposição, sensibilidade inerente e capacidade adaptativa de lidar com as ameaças à saúde relacionadas com as alterações climáticas. Os impactos das alterações climáticas na saúde variam com a idade e o estágio da vida, sendo que as grávidas, os muito jovens e os mais velhos são particularmente mais sensíveis. Pessoas com condições médicas crónicas são também mais propensas a ter sérios problemas de saúde decorrentes dos efeitos das alterações climáticas na alimentação.
Por outro lado, determinantes sociais da saúde, como os relacionados com fatores socioeconómicos, disparidades na saúde e de justiça ambiental, podem amplificar, moderar ou influenciar os efeitos na saúde relacionados ao clima. Por exemplo, numa população de uma região vulnerável em termos climáticos, e muitas vezes também socialmente, os alimentos colhidos localmente e a água consumida podem ser a principal via de exposição a contaminantes.
Nesse sentido, ferramentas geográficas de mapeamento de fatores de risco e vulnerabilidades sociais podem identificar riscos climáticos à saúde e proteger locais e grupos específicos de pessoas. Por outro lado, devido à complexidade, é necessário conhecer melhor a relação quantitativa entre as alterações climáticas e as diferentes contaminações dos alimentos, com o intuito de estabelecer estratégias de alerta e adaptação para reduzir os impactos em termos de saúde pública.
Sabemos que as alterações climáticas vão desafiar a eficácia dos atuais sistemas de gestão de segurança de alimentos no futuro próximo. Por isso, para evitar efeitos adversos na saúde e garantir a segurança dos alimentos a longo prazo, será necessário apostar na sustentabilidade da nossa produção alimentar, com efeitos práticos positivos não só na qualidade dos alimentos que consumidos atualmente, mas também nos que pretendemos consumir no futuro.
A opção por alimentos de agricultura biológica poderá ser um contributo para uma alimentação sustentável e com menor impacto ambiental, mas não deveremos negligenciar neste contexto a opção por alimentos locais e sazonais, como recomendado pela Dieta Mediterrânea. Por outro lado, a compra de alimentos em locais que promovam e/ou implementem a monitorização da qualidade e segurança dos alimentos poderá ser igualmente um importante aliado para evitar exposição.
A voz dos profissionais de saúde poderá ser essencial e um motor para impulsionar o progresso na resposta às alterações climáticas e os seus efeitos na saúde, como argumenta o recente relatório do “The Lancet Countdown on health and climate change”. Estes têm a capacidade, mas principalmente a responsabilidade de agir publicamente como defensores da saúde, comunicando as ameaças e oportunidades ao público e aos decisores políticos.
Diogo Pestana
Professor Auxiliar Convidado, Nutrição e Metabolismo
NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade NOVA de Lisboa
Investigador do grupo ProNutri, CINTESIS