O projeto BaLanSa – Bares e Lancheiras Saudáveis, desenvolvido nos Açores, procura promover hábitos saudáveis junto dos mais jovens. Em concordância, o portal da VS entrevistou Tânia Parece, a nutricionista responsável pela iniciativa, ao lado de Raquel Marinho.
VIVER SAUDÁVEL (VS) – Em que consiste o projeto BaLanSa?
TÂNIA PARECE (TP) – O projeto BaLanSa – Bares e Lancheiras Saudáveis é um projeto de intervenção comunitária desenvolvido pela Equipa de Saúde Escolar e Serviço de Nutrição da USISM com o intuito de promover a melhoria da qualidade dos lanches das crianças do 2.º ano de escolaridade, sendo transversal a todas as escolas públicas da ilha de São Miguel, Açores.
Com o intuito de melhorar a composição alimentar dos lanches da manhã trazidos de casa, desenvolveram-se materiais lúdico-pedagógicos próprios, apelativos e adequados para a faixa etária dos 6-8 anos, que permitem uma intervenção contínua ao longo de pelo menos 24 se manas e com o envolvimento de crianças, professores e encarregados de educação. A intervenção assenta na exploração de um livro de histórias, concebido pela equipa do projeto e com a validação técnico-científica do Departamento de Educação da Universidade dos Açores, intitulado “As Viagens da Risinhos”.
Este livro é o principal material de educação alimentar do projeto e é composto por 8 capítulos que abordam de forma lúdica e didática a importância do lanche e quais os alimentos com um perfil nutricional mais adequado para esta refeição, nos três principais grupos alimentares (cereais e derivados, lacticínios e fruta). Capítulo a capítulo, as crianças vão acompanhando a lancheira Risinhos, a principal personagem da história, nas suas aventuras pelo Planeta BaLanSa, juntamente com as outras personagens, os guardiões das ilhas dos cereais, do leite e da fruta. No final de cada capítulo existem um conjunto de desafios e atividades lúdico-pedagógicas de educação alimentar para consolidação de conhecimentos, adequadas ao nível de ensino, e que devem ser resolvidos pelas crianças, podendo solicitar a envolvência dos pais e/ou professores. Como forma de incentivo à leitura e à resolução dos desafios, é atribuída uma peça de um puzzle por cada atividade, que irão compor um puzzle que se encontra na parte central do livro e que ilustra a história do planeta BaLanSa.
No final do livro reservamos ainda um espaço para a colocação de autocolantes coloridos que resultam da avaliação qualitativa dos lanches trazidos de casa. Para avaliação qualitativa dos lanches, adotou-se a terminologia, recomendações e orientações do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável e da Direção Regional da Educação, com a categorização dos alimentos através das cores do semáforo em que a classificação verde, amarelo e vermelho, varia de acordo com o perfil nutricional dos vários alimentos presentes nas lancheiras (a promover vs a limitar vs a evitar). Para avaliar a composição dos lanches desenvolveu-se uma grelha simples de registo da composição alimentar dos lanches, de aplicação pelo professor titular da turma. As avaliações são feitas ao longo de oito semanas não consecutivas, definidas num cronograma inicial do conhecimento do professor titular de turma, mas sem o conhecimento das crianças avaliadas.
Após recolha da composição dos lanches, a grelha é remetida à equipa do projeto, que determina a categoria do lanche de acordo com os critérios anteriormente referidos. Ao longo do ano letivo são ainda disponibilizados aos alunos e aos encarregados de educação diversos materiais de educação alimentar, que vão complementando a história que está a ser abordada no livro e consolidando as aprendizagens, tais como: pósteres com alimentos a promover, a limitar e a evitar nos lanches, um audiobook, música, vídeos com receitas de snacks e bebidas saudáveis, jogo de grande grupo, mascotes e um teatro de fantoches, que transportam as personagens da história para o mundo real.
O projeto BaLanSa é um projeto de intervenção inovador no país, baseado na evidência e desenvolvido com o intuito melhorar os hábitos alimentares das crianças através da incorporação de conteúdos da alimentação saudável nas diferentes áreas disciplinantes dos currículos escolares permitindo aumentar a literacia em saúde.
VS – Quais têm sido os desafios da sua implementação?
TP – Um dos principais desafios começou logo no primeiro ano de implementação do projeto, em 2020/2021, com a pandemia da COVID-19 e o fecho intermitente das escolas, que dificultou muito a intervenção nos momentos preconizados e exigiu um esforço redobrado, quer por parte dos profissionais de saúde, quer por parte dos professores, para que o projeto se concretizasse. Outro dos desafios prende-se com a falta de tempo dos professores para aplicarem o projeto em contexto de sala de aula, pois os currículos escolares estão cada vez mais extensos e com as novas metodologias de ensino, os alunos não estão sempre com o professor titular de turma. E por último, tem sido um desafio sensibilizar os pais e a família para a importância da alimentação saudável. Apesar das várias atividades preconizadas no projeto que envolvem a família, ainda se verifica alguma desresponsabilização dos pais nas escolhas alimentares dos lanches dos seus filhos.
VS – Que resultados têm obtido e o que se espera no futuro em termos do projeto?
TP – O projeto BaLanSa conta já com três edições, sendo que no primeiro ano de implementação (ano letivo 2020-21) abrangeu um total de 1.272 crianças, distribuídas por 83 turmas. No segundo ano (ano letivo 2022-23) foram abrangidas 1.328 crianças, num total de 101 turmas, e no terceiro ano (ano letivo 2023-24) foram abrangidos 1.325 alunos distribuídos por 84 turmas.
Ao longo das três edições verificou-se uma melhoria no consumo dos alimentos da categoria “a promover” em cerca de 17.5 pontos percentuais e uma redução do consumo dos alimentos “a limitar” em cerca de 16,5 pontos percentuais, como se pode constatar no gráfico abaixo que compila os resultados médios das três edições do projeto, nos oito momentos de avaliação.
A melhoria da composição alimentar dos lanches escolares conseguida através da implementação deste projeto é um indicador do aumento da literacia alimentar e nutricional de crianças, professores e famílias, sendo fundamental para o estabelecimento de estilos de vida promotores de saúde a longo prazo.
No futuro pretendemos dar continuidade ao projeto nas escolas da ilha de São Miguel, tendo a ambição de estender o projeto a toda a Região Autónoma dos Açores (RAA). Neste momento, temos uma solicitação para replicação do projeto também em território continental, o que nos deixa muito satisfeitos e orgulhosos.
VS – Apesar de ser um projeto na área comunitária, qual o seu contributo para “um plano maior”, ou seja, para uma melhor alimentação nas escolas (da perspetiva da alimentação coletiva)?
TP – Acreditamos que a melhoria da literacia alimentar e nutricional que estamos a promover com este projeto permitirá que estas crianças, no futuro, façam escolhas mais saudáveis e conscientes, o que poderá contribuir também para uma melhoria na oferta alimentar dos bares e bufetes escolares, e uma melhor alimentação nas escolas. Este projeto engloba também um outro eixo de atuação que visa a melhoria da oferta alimentar dos bares escolares, que por razões externas à equipa ainda não pude ser concretizado, mas que acreditamos que num futuro próximo o possamos fazer.
VS – Do ponto de vista do nutricionista, quais são os desafios atuais na área da alimentação nas escolas? Porquê?
TP – Do meu ponto de vista, atualmente o principal desafio é fazer com que as crianças e jovens consumam a refeição escolar, pelo menos na realidade da RAA. A alimentação escolar tem vindo a ser conotada de vários aspetos negativos, como a fraca qualidade das refeições, a monotonia e as porções reduzidas, o que conduz a uma fraca adesão ao consumo destas refeições, aliado ao facto de que na proximidade da maioria das escolas existem opções “mais aliciantes” para os jovens, como cadeias de fast food, snack-bares e hipermercados. A meu ver devemos intervir quer junto das escolas para melhorarem as suas refeições e tornarem-nas mais apelativas para as crianças, quer junto das famílias para incentivar ao consumo da refeição escolar, visto que para muitas crianças esta seria provavelmente a refeição mais completa e nutritiva que iria consumir ao longo do dia.
VS – Para si, que mudanças/medidas foram postas em prática nos últimos anos no âmbito da alimentação coletiva, que contribuíram para melhorar a alimentação? Porquê?
TP – Nos últimos anos, a Direção Geral da Educação (DGE) em conjunto com o Programa Nacional para Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da DGS têm emanado diversas Circulares e Orientações sobre a alimentação em meio escolar, que tem contribuído para a melhoria da qualidade alimentar e nutricional das refeições escolares.
Também nos Açores, a Direção Regional da Educação e dos Assuntos Culturais desde há vários anos tem divulgado orientações para a melhoria das refeições escolares. No entanto, considero que seria muito importante a criação do papel do Nutricionista Escolar que poderia intervir não só na garantia do cumprimento destas orientações com vista à melhoria da alimentação escolar, como no aumento da literacia alimentar junto da população escolar e consequente aumento da adesão às refeições escolares.
Atualmente a Região está a desenvolver o seu Plano Regional de Alimentação Saudável que será sem dúvida uma mais valia para a melhoria da alimentação também nas escolas.