A infância constitui um dos períodos mais importantes da vida, influenciando a saúde a curto e longo prazo, e onde o aleitamento materno assume um papel preponderante. Considerando os seus benefícios comprovados, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno seja exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida, com a continuação da prática de amamentação até aos 2 anos de idade ou mais.
Ao longo das últimas décadas, a prática do aleitamento materno tem sido cada vez mais reforçada em Documentos, Planos e Programas Nacionais, com a definição de compromissos políticos e o traçar de metas e recomendações pelas comunidades e organizações de referência a nível internacional. Assim, a promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno tornou-se numa prioridade de saúde pública a nível global, com o estabelecimento da meta na Assembleia Mundial de Saúde de atingir uma prevalência de, pelo menos, 50% de aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses até 2025. Mas, estará Portugal a caminhar no rumo certo? Estaremos nós a contribuir para o cumprimento desta meta global?
O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), designadamente através do seu Centro Colaborativo da Organização Mundial da Saúde para a Nutrição e Obesidade Infantil (CC), tem desenvolvido um extenso trabalho nesta área através de um dos seus Termos de Referência, consistindo no apoio técnico à OMS na área do aleitamento materno, designadamente o aleitamento materno exclusivo, cuja prevalência em Portugal encontra-se muito baixo da meta proposta até 2025.
A criação da Iniciativa Europeia de Vigilância de Obesidade Infantil (COSI) da OMS Europa, em 2008, coordenada desde então a nível nacional pelo INSA e prestando apoio ao nível Europeu a cerca de 45 países, permitiu uma compreensão aprofundada dos dados relativos ao primeiro ano de vida de crianças em idade escolar (6–8 anos), dos quais se incluem os referentes ao aleitamento materno e em exclusivo. Em 2008 (1ª ronda), o estudo COSI Portugal demonstrava que 84,9% das crianças nascidas entre 2000 a 2002 tinham sido amamentadas; 34,2% mais de 6 meses e, regionalmente, foi nos Açores onde se constatou o menor período de amamentação superior a 6 meses (18,6%).
Já em 2022 (6ª ronda), verificou-se que houve um aumento na frequência do aleitamento materno de crianças nascidas entre 2014 e 2016 (90,1%); 44,8% com uma frequência superior a 6 meses, continuando região dos Açores a apresentar a menor frequência de aleitamento materno superior a 6 meses (26,7%). No entanto, quando analisados os dados relativos ao aleitamento materno exclusivo em Portugal, verificou-se que apenas 21,8% das crianças foram amamentadas exclusivamente 6 meses ou mais.
Neste âmbito, também a nível europeu, o CC já contribuiu e pretende continuar a contribuir, para o estudo da prevalência do aleitamento materno, liderando as publicações científicas sobre o tema nos vários países da Região Europeia da OMS. O estudo liderado pela equipa nacional em 2019 (Rito AI et al. Obes Facts), que analisou os dados do aleitamento materno em 22 países da Região Europeia da OMS, veio confirmar que as crianças que nunca foram ou que foram amamentadas em período inferior a 6 meses, têm maior risco de obesidade aos 6-8 anos, em comparação com as que foram amamentadas exclusivamente 6 ou mais meses. Verificou-se uma grande disparidade entre países, com os países da Ásia Central e os do Norte da Europa a apresentar a maior e a menor prevalência de aleitamento materno, respetivamente, e apenas 4 países apresentavam uma prevalência superior ou igual a 25% de aleitamento materno exclusivo durante 6 meses ou mais, nomeadamente a Geórgia (34,6%), o Cazaquistão (50,7%), o Turquemenistão (56,9%) e o Tajiquistão (73,3%).
Assim, estes resultados retratam um cenário preocupante da realidade europeia no que respeita ao aleitamento materno exclusivo, o que se traduz na incapacidade de cumprir as recomendações da OMS de atingir a meta dos 50% definida pela Assembleia Mundial da Saúde, até 2025. De igual modo, em Portugal, considerando que a promoção do aleitamento materno designadamente o exclusivo até aos 6 meses, apresenta uma “janela de oportunidade” para a política de prevenção de obesidade infantil, a existência de iniciativas concretas para a promoção das práticas de aleitamento materno (e exclusivo), e a forma como estas ações são desenvolvidas, são determinantes para o sucesso do aumento desta prática.
Ao nível da investigação, o INSA/CC tem sido uma entidade europeia de referência nesta área, estando ativamente envolvido na temática do aleitamento materno (e o exclusivo), e no estudo das politicas e iniciativas de sucesso desta prática nos vários países da Europa, tendo sido identificado como o um dos Centros Colaborativos da OMS que mais tem contribuído nesta área.
Ana Rito, Investigadora e Nutricionista, Coordenadora do Centro Colaborativo da OMS para a Nutrição e Obesidade Infantil, Departamento de Alimentação e Nutrição, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge
Inês Figueira, CEIDSS – Centro de Estudos e Investigação em Dinâmicas Sociais e Saúde