“Nutricionistas são poucos e deviam ter papel mais importante nos hospitais” 1117

Nem a Nutrição é exclusiva dos nutricionistas, nem a medicina dos médicos, porque, quando se fala em Saúde, a complementaridade é o que mais importa. Assim acredita Rosalina Barroso, a responsável do primeiro Centro de Treino de Nutrição em Neonatologia em Portugal, deixando, contudo, claro que um Nutricionista em permanência faz a diferença.

Anunciado no passado mês de abril, o Centro inovador funcionará no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) e quer proporcionar uma formação multidisciplinar pioneira com estratégias para melhorar a nutrição dos bebés prematuros. No entanto, a notícia de que apenas farmacêuticos, enfermeiros e médicos fariam parte da equipa gerou críticas por parte de nutricionistas nas redes sociais, que se sentiram revoltados com a exclusão.

Em entrevista à VIVER SAUDÁVEL, a diretora deste novo Centro, pediatra especialista em neonatologia, garante e esclarece que o serviço contará com, pelo menos, um profissional de Nutrição, ao mesmo tempo que dá a conhecer as características do espaço e comenta ainda o debate em torno da competência em Nutrição Clínica.

“A Nutrição preocupa-nos imenso” 

Contribuir para um nascimento e vivência saudável é o objetivo do Centro. O seio da unidade de neonatologia, a especialidade que trata dos bebés abaixo dos 28 dias de vida, contempla uma variedade de recém-nascidos. “Temos bebés de termo, acima das 37 semanas, das 37 às 41, e os prematuros abaixo das 37 semanas”, explica a responsável, ao reiterar que a especialidade tem um papel importante do ponto de vista da perinatologia.

Uma vez que dentro das unidades de neonatologia é dado um “apoio perinatal diferenciado” e tratados bebés “de todas as idades gestacionais – tratamos bebés tão pequenos como 450 gramas até bebés com mais de 4 kg, das 23 semanas até ao termo – a Nutrição ganha um papel de relevância. “A Nutrição preocupa-nos imenso, quanto mais baixa a idade gestacional, maior o risco nutricional e o nosso objetivo é que os bebés cresçam e tenham um desenvolvimento harmonioso, quase igual ao desenvolvimento in utero“, diz a responsável.

Neonatologista preocupada com a nutrição

“Gosto muito de Nutrição, é a minha área preferencial dentro da neonatologia”, admite a pediatra, para distinguir os dois pontos que marcam a Nutrição em neonatologia: a nutrição parentérica e entérica. “Quando nascem a nutrição via entérica, não é possível alimentarmos os bebés, então utilizamos a Nutrição parentérica. Em Portugal, na maior parte das unidades, usa-se Nutrição parentérica personalizada, mas na Europa e nos adultos é standard“, ou seja, existe a mínima manipulação possível. O novo espaço fez já algumas sessões, em parceria com a Baxter.

As últimas diretrizes da ESPGHAN (The European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition) “vão ao encontro do que deve ser o standard e, portanto, começámos a utilizar a Nutrição standard nos bebés” em 2020, continua. “Graças à nossa experiência e diferenciação, surgiu a ideia de fazermos um Centro de Treino de Nutrição em Neonatologia, inicialmente dedicado à Nutrição parentérica e posteriormente será também dedicado à Nutrição entérica”, o que permitirá formar profissionais de outras especialidades, revela.

“O Centro vai ter um Nutricionista”

E se a Nutrição é ponto fundamental neste Centro, então o papel do Nutricionista será salvaguardado. “A nutrição parentérica no nosso hospital está localizada na farmácia”, começa por explicar Rosalina Barroso. Por isso, a responsabilidade recaiu na altura sobre uma farmacêutica com uma pós-graduação em Nutrição. “Claro que não é nutricionista, mas tem essa pós-graduação, e foi com ela que tratamos da parte parentérica”, refere

Ainda assim, assegura, e contrariamente ao que foi inicialmente noticiado pela agência Lusa, haverá pelo menos um profissional de Nutrição neste espaço. “O Centro vai ter um nutricionista, obviamente, mas neste momento o papel do nutricionista não está ativo”, confirma, para clarificar que um Nutricionista em permanência é algo “completamente diferente” de um Nutricionista que apenas colabora quando é necessário.

“Os médicos têm de saber de Nutrição”

“Nenhuma área em Saúde é pelouro exclusivo, a Nutrição não é exclusiva dos Nutricionistas ou a medicina dos médicos”, começa por explicar a responsável, lembrando o cruzamento de funções entre profissionais. “Passa-se, por exemplo, com médicos e enfermeiros, temos áreas comuns, cada um tem o seu papel. O Nutricionista tem um papel importante em neonatologia quando, por exemplo, queremos melhorar o aporte nutricional de um determinado recém-nascido”, continua.

Mas há casos em que o Nutricionista não tem a palavra final. Imagine-se o caso de um bebé com uma distensão abdominal. “Não sabemos se é um quadro infecioso, a decisão de suspender a alimentação é médica”, garante. Contudo, Rosalina Barroso defende haver muito a fazer na área. “Os Nutricionistas deviam ter um papel muito mais importante nos hospitais, são poucos para o que é necessário, as equipas são pequenas e não há tradição, não estão adjudicados a um serviço, têm vários e é difícil”, confessa.

Relativamente ao recente debate gerado em torno da competência em Nutrição Clínica, atribuída pela Ordem dos Médicos, a diretora do Centro garante que “os médicos têm de saber de Nutrição”. Para a responsável, “a Nutrição especializada será da área dos Nutricionistas, a clínica será uma área fundamental do médico, do Nutricionista, do enfermeiro, todos trabalham para o mesmo”. Rosalina Barroso não vê de que forma este cenário retira mérito a estes profissionais. “Antes pelo contrário, cada um tem eu papel”, termina.