“Está mais gordinho, não está dr.?”, disse a senhora já de alguma idade, ao entrar para mais uma consulta. A intenção até era simpática, mas aquela pergunta em jeito de afirmação quase me deixou sem fala! Com um sorriso nos lábios, lá confirmei que tinha aumentado 3 ou 4 quilos, por causa da paragem devida à cirurgia ao joelho. Afinal, não se consegue enganar o olho atento de uma avó, pois não?
Foi a primeira vez, em praticamente 20 anos de prática clínica, que um utente teceu algum comentário ao meu peso. O episódio fez-me pensar como é que os nutricionistas lidam com o seu próprio peso e, mais importante, como esse peso é percecionado pelos utentes das suas consultas ou pelos destinatários das suas formações. Que confiança ou desconfiança transmite aos seus utentes um(a) nutricionista com peso a mais? Como são aceites os(as) nutricionistas com peso excessivo que falam em público? Ficarão as mensagens que transmitem comprometidas pela sua aparência? No fundo, será que um(a) nutricionista não pode ou não deve ser gordo(a)?
Não há uma resposta fácil e o tema é delicado porque se intercetam as liberdades individuais (cada um come o que quer e pode preocupar-se ou não com o seu peso) com as responsabilidades coletivas (o nutricionista é um agente público de promoção de saúde). Ninguém deixa de ser bom nutricionista por ter peso a mais. Mas também se parte do princípio que ninguém, e em particular o nutricionista, quer ser gordo. Ao contrário de outras profissões, espera-se que seja capaz de aplicar a si próprio aquilo que recomenda aos outros (um dentista, por exemplo, não consegue tratar na totalidade dos seus próprios dentes). O famoso “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” pode não ser bem aceite no nosso caso….
Numa altura em que a profissão de nutricionista ocupa tanto a agenda mediática, com mensagens de alerta para o peso excessivo e exigências constantes por alimentos mais “saudáveis”, é importante ter a capacidade de olhar para nós próprios. Como comemos? Como nos mexemos? Como gerimos o nosso peso? Isto é relevante não só para os nutricionistas gordos, mas também para aqueles que, não tendo peso a mais, comem de forma ostensivamente desregrada. Um bom exercício de autoanálise é perceber se seguimos as recomendações que deixamos aos outros. Ou, em alternativa, que recomendações deixaríamos a alguém como nós. É que, às exigências necessárias para ser nutricionista – completar um ciclo de estudos, fazer um estágio curricular e um estágio à Ordem, manter a atualização técnica e científica – soma-se ainda esta exigência implícita de “dar o exemplo”. E é este o cerne da questão: talvez nem todos os(as) nutricionistas tenham o peso “ideal”, mas certamente terão reconhecimento se forem um exemplo na forma como lidam com a alimentação.
Pelo sim, pelo não, desde aquela consulta comecei a estar mais atento às minhas refeições e fiz alguns ajustes, tendo em conta que não estava a treinar. Entretanto, pude voltar gradualmente a treinar… Quando aquela senhora vier à próxima consulta, espero que repare no peso que perdi!
Rodrigo Abreu
Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados
Fundador do Atelier de Nutrição