“Nutricionistas dariam grande ajuda” na introdução de novas espécies de peixe no mercado 1610

De braço dado com a sustentabilidade ambiental e de espécies de pescado em território nacional, um conjunto de investigadores do Centro de Ciências do Mar e da Atmosfera (MARE), integrados no Instituto Politécnico de Leiria, está empenhado na revitalização do mercado piscatório com a introdução de novas espécies.

Ceviche de choupa, paté de carapau negrão fumado, lira frita desidratada, mini saia frito e pastéis de serrão. O objetivo, explica a investigadora Filipa Pinto à VIVER SAUDÁVEL, é “utilizar pescado de baixo valor comercial, ou sem valor comercial, da costa de Portugal”, e fazê-lo chegar à mesa dos portugueses. “O consumo nacional está desregulado, porque capturamos sardinha, carapau, cavala… mas o que mais consumimos são, por exemplo, o bacalhau e o salmão”, espécies que, reforça, são importadas, o que provoca um “desequilíbrio na economia e nos ecossistemas”.

De dois em dois meses, durante um ano, os investigadores do MARE acompanharam a atividade dos pescadores da linha costeira de Peniche e perceberam que “nas redes, sejam de arrasto ou de cerco, vêm sempre muito mais espécies do que aquelas para as quais vão pescar”. E o que fazem com elas? “Têm de as descartar, para levar as que lhes dão mais dinheiro, só que, quando voltam para o mar, essas espécies já não vão viver, porque estiveram demasiado tempo sob stress e sem água com oxigénio para respirar”. O pescado é, assim, desperdiçado.

Esta mudança de paradigma seria, conclui, benéfica para todos. “O consumidor tem outra opção de consumo, o pescador consegue ter a pesca rentabilizada, a indústria alimentar do pescado pode desenvolver novos produtos e ter uma revitalização do mercado, e tudo isto ajuda o ambiente porque não sobrecarregamos ecossistemas ao consumir sempre as mesmas espécies”, reitera Filipa Pinto, que destaca o valor nutricional destes animais.

“O consumidor acha-se muito informado, mas não é”

O processo de análise destes investigadores, pós-captura pelos pescadores locais, começava por uma análise biológica – para, por exemplo, distinguir machos e fêmeas e determinar os seus tamanhos – que determinaria as suas componentes nutricionais. “Fizemos análises à proteína, à gordura, fizemos ainda um perfil lipídico, à cinza e ao teor de humidade”. Concluindo, nutricionalmente, estas espécies “têm o mesmo ou um muito semelhante potencial nutricional face aos demais consumidos”, destaca a investigadora.

Retirando da equação a sardinha que, lembra, tem um “elevado teor de gordura boa” não acompanhado por estas espécies, Filipa Pinto assegura que elas “chegam a todos os outros”, dando exemplos: “o carapau negrão chega ao carapau normal, até tem mais gordura, a choupa também, têm potencial aos demais que consumimos e que capturamos em maior quantidade”. Comprovado o “potencial nutricional”, o desafio configura-se numa “questão cultural” que, apenas com o desenvolvimento de novos produtos alimentares, pode ser colmatada.

Cabra lira e Serrão

O desconhecimento dos consumidores face às espécies, continua, torna difícil a sua introdução no mercado sem que “um bom marketing” lhes permita entrar em grandes superfícies comerciais. No entanto, Filipa Pinto admite que este “é um problema que, enquanto investigadores, estamos a tentar superar”: chegar às empresas. O que os levou a ponderar criar a sua própria entidade para produzir estes produtos, uma ideia que ainda se mantém em águas de bacalhau. “Em Portugal, as empresas nem sempre estão despertas a apostar”, diz.

“Nós temos tudo comprovado, a questão é uma empresa acreditar para que depois o consumidor, que não está educado para isso, possa de algum modo adquirir esses produtos”, assegura a investigadora, que reconhece que “o consumidor acha-se muito informado, mas não é”. É necessário, deste modo, cativar não só as empresas mas os consumidores, para que ambos percebam “esta questão ambiental, que também é económica”.

“Acreditamos bastante na opinião dos nutricionistas”

Filipa Pinto evoca os metais pesados e espécies de grande dimensão como o peixe-espada, não aconselhado a “grávidas e crianças”, para deixar claro que “neste pescado analisado, que é nacional, da nossa costa, não se identificou nada. Todos os elementos são essenciais para o Ser Humano, são só vantagens”, sustenta.

E é nesta consciencialização do potencial das espécies que os nutricionistas podem ser uma peça-chave para a sua introdução no mercado, através do seu aconselhamento em consultório. “Nutricionalmente são adequados e sensorialmente não têm grandes diferenças, apesar de culturalmente acharmos que sim”, explica a investigadora, que reforça: “nós [investigadores do MARE] acreditamos bastante na opinião dos nutricionistas”.

Mini-saia

“Se houver uma maior procura, o pescador e quem faça a venda começa a libertar as espécies, porque começa a ter interesse económico nisso”, acredita Filipa Pinto, garantindo que “os nutricionistas dariam uma grande ajuda, porque o consumidor é meio caminho andado para que tudo o que está por trás comece a rolar”.

As conclusões que os investigadores do Instituto Politécnico de Leiria apresentam estão espelhadas nos estudos “Seasonal study of the nutritional composition of unexploited and low commercial value fish species from the Portuguese coast” e “Adding Value to Bycatch Fish Species Captured in the Portuguese Coast—Development of New Food Products”, que pode consultar clicando nos respetivos títulos.