Nutricionista artificial 29

Por Rodrigo Abreu, Nutricionista – Managing Partner na Rodrigo Abreu & Associados; Fundador do Atelier de Nutrição®

 

É, sem dúvida, um dos temas na ordem do dia: de que forma os avanços na chamada inteligência artificial (IA) vão mudar a forma como trabalhamos? E, em particular, de que forma podem impactar a atividade dos nutricionistas? Entre os que receiam perder o emprego para máquinas ou algoritmos, e os que acreditam que a IA nunca substituirá as pessoas, o que esperar desta nova tecnologia?

Desde logo, é fundamental entender que o desenvolvimento de sistemas, mais ou menos autónomos, mais ou menos controlados, capazes de identificar, processar e atuar sobre quantidades gigantescas de dados é uma vaga enorme, que se aproxima a velocidade elevada e que impactará todos os aspetos da nossa vida. Pela primeira vez na História, teremos uma ferramenta que poderá tomar decisões autonomamente e de forma muito mais poderosa que a própria compreensão humana.

Embora ninguém consiga prever rigorosamente a evolução das capacidades dos modelos de IA, atualmente já existem ferramentas capazes de agregar e processar toda a informação necessária para a avaliação nutricional e respetiva definição de estratégias de intervenção. Todos os dados de um indivíduo podem ser relacionados para determinar as suas necessidades nutricionais e, imediatamente, propor um completo conjunto de planos alimentares, suportado em vastas bases de dados sobre alimentos e nas preferências individuais.

Assim, poderemos ter dispositivos nos quais as pessoas se conseguem pesar e medir de forma autónoma, introduzir alguns dados pessoais (ou permitir o acesso aos mesmos, em fontes dispersas) para receber, em segundos, um diagnóstico e intervenção nutricional totalmente personalizado. A intervenção pode ser permanentemente atualizada, em tempo real, em função do cumprimento do plano ou preferências do utente. Mais ainda, estes planos alimentares podem ser relacionados com outros dados (como os alimentos disponíveis no frigorífico ou despensa, serviços de entrega de refeições ou listas de compras no supermercado), para automatizar e facilitar o seguimento do plano alimentar. É fácil entender que o potencial deste “nutricionista artificial” é enorme…

No entanto, há ainda um conjunto de barreiras até que as funções do nutricionista possam ser totalmente autonomizadas e substituídas por IA. Questões éticas (por exemplo, no acesso e tratamento de dados pessoais) e de responsabilidade civil (quem será responsável por falhas causadas por mau aconselhamento de uma IA?) ainda não são claras e deverá haver um debate profundo sobre estes temas. Isto significa que num futuro próximo não veremos a IA a roubar empregos aos nutricionistas. Mas veremos os nutricionistas que dominam as ferramentas de IA a superar aqueles que não acompanharem a evolução constante proporcionada por estas novas oportunidades.

A IA será (já é) um instrumento para libertar os nutricionistas de algumas tarefas extensas ou repetitivas, o que permitirá expandir e otimizar o suporte nutricional prestado. Isto liberta o nutricionista para os aspetos mais “humanos” da relação com o utente (empatia, motivação, apoio), algo fundamental no sucesso das intervenções nutricionais.

À medida que a vaga se aproxima, há já quem procure estudar as possíveis utilidades da IA na Nutrição. E uma coisa parece certa: entender como funcionam estes modelos será, muito brevemente, mais uma competência fundamental dos nutricionistas. Seja para saber como tirar o máximo partido destes instrumentos (o prompting será uma habilidade essencial num futuro muito próximo), ou para filtrar e avaliar a qualidade das respostas fornecidas pela IA, identificando possíveis erros ou inconsistências.

Quanto maior for o poder de uma ferramenta como a IA, maior a necessidade de um contrapoder humano, e os nutricionistas vão desempenhar um papel fundamental para garantir que as soluções apresentadas por sistemas autónomos são, de facto, relevantes para todos aqueles que necessitam de suporte nutricional.

Então, a pergunta que todos temos de fazer é: havendo um “nutricionista artificial” capaz de avaliações/intervenções rigorosas, adaptadas às preferências e necessidades de cada situação, mais rapidamente e a custo muito reduzido, o que sobrará aos nutricionistas para fazer?