Notas e anotações 1062

A alimentação pode ser vista de diferentes formas: necessidade, direito, tradição, ocupação e ciência. Em qualquer uma delas, a necessidade de garantir a higiene e segurança, para prevenir acidentes e catástrofes, deve estar sempre presente.

Os perigos associados à alimentação podem ser de natureza biológica, química e física e ocorrem em qualquer etapa: produção, processamento, acondicionamento, conservação, embalamento, transporte e confeção. Os biológicos são particularmente preocupantes, causados por bactérias (ex. Campylobacter spp, E. coli O157:H7, Salmonella spp, Listeria monocytogenes, etc.), vírus (ex. Norwalk virus, Hepatovirus A, etc.), parasitas (ex. Trichinella spiralis, etc.) e protozoários que têm deixado marcas na saúde pública, relações socio-políticas, indústria e comércio.

No grupo dos agentes químicos, importa destacar os metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio e arsénio), uma vasta gama de aditivos, resíduos de drogas veterinárias (ex. antibióticos), pesticidas, herbicidas, hormonas sintéticas, aditivos e conservantes diversos, utilizados para preservar, enriquecer, melhorar as caraterísticas organoléticas e ajudar no processamento ou preparação. Muitas destas substâncias são carcinogénicas, mutagénicas ou teratogénicas, estando associadas a malformações congénitas, cancro e deficiências cognitivas.

Também ocorrem acidentes provocados por resíduos físicos como metais, madeira, plástico, vidro, pedras, joias, cabelos, pelos, etc. Tudo isso facilitado e estimulado pela longa e complexa cadeia de valor dos alimentos, alta competição nos mercados, globalização, urbanização, industrialização, novos paradigmas comerciais, escassez e contaminação de água, degradação e contaminação de solos e mudanças climáticas.

Assim, garantir a segurança dos alimentos é um desafio constante e global, para a proteção da saúde pública, bem-estar social, desenvolvimento económico e sustentabilidade ambiental. Constante porque os métodos tradicionais de prevenção e combate se vão tornando obsoletos perante a complexa avalanche de novas ameaças e descobertas científicas. Global porque requer uma abordagem holística para a avaliação dos riscos, sua gestão e mecanismos de comunicação, e porque apela à participação, colaboração e responsabilização de todos, incluindo consumidores, produtores, cientistas, políticos, gestores, representantes da sociedade civil, reguladores, fiscais, etc.

Urge desenvolver uma nova consciência e literacia nutricionais, melhorar os mecanismos legais, e as condições de produção, transporte e comercialização de alimentos.

Hélder Muteia,
Responsável do Escritório da FAO em Portugal e junto da CPLP